Perguntei a um especialista em línguas: O que é o presépio? Ele respondeu-me:
Presépio é uma obra de arte sacra, composta de figuras de
materiais diversos, que representa o estábulo de Belém e as cenas
relacionadas com o nascimento de Jesus. Contém a representação da
manjedoura (cocho) em que Jesus foi posto ao nascer.
A palavra presépio vem do latim praesepium, que por sua vez vem de prae - "antes", "na frente de" - e de saepes
- "sebe", "cerca", "grade" -. O significado original dessa palavra era,
pois, o de um recinto fechado onde se encerravam os animais: um curral,
uma estrebaria. E como os animais confinados no curral precisavam
comer, o significado dessa palavra estendeu-se também ao lugar em que os
animais comem, à manjedoura.
Perguntei a um crítico de arte brasileiro: O que é o presépio? E ele respondeu-me:
Os cristãos celebram o Natal desde fins do século III, quando
já peregrinos se dirigiam ao local de nascimento de Cristo, a gruta de
Belém. No século seguinte, a cena da Natividade aparece em relevos de
sarcófagos, instrumentos litúrgicos ou afrescos, que mostram a Virgem
Maria, a Adoração dos Reis Magos e o Menino a repousar na manjedoura.
A primeira dessas imagens de que se tem notícias foi esculpida
em um sarcófago do século IV, e encontra-se hoje no Museu das Termas, em
Roma. É um baixo-relevo em que uma árvore faz o papel de cabana, um
pastor medita apoiado em um bastão, o Menino está em um cocho rústico
envolto em panos, ladeado por um burro e um boi.
Bem depois, em 1223, na Itália, ocorre um fato marcante na
história dos presépios. São Francisco de Assis, em vez de festejar a
noite do Natal na igreja, como se fazia habitualmente, decidiu levar uma
manjedoura, um boi, um burro e outros elementos do pre sépio a uma
gruta nos arredores da cidadezinha de Greccio, fazendo uma representação
ao vivo da cena. Assim, Francisco ganhou a fama de ter criado o
presépio, embora somente séculos mais tarde os presépios tenharn
adquirido a forma atual.
No século XV, passou a haver representações do Natal em forma
de esculturas, muitas vezes em tamanho natural, expostas em oratórios
(capelas) nas igrejas. Sempre havia ai uma preocupação didática:
pretendia-se que os espectadores, ao olharem o presépio, tivessem a
sensação de estar penetrando no palco da História Sagrada.
No século seguinte, as figuras libertam-se das capelas e
começam a aparecer soltas, em grupos. Nasce assim o presépio como o
concebemos hoje: capaz de ser modificado por cada artista que o constrói
ou por cada pessoa que o monta, em sua casa, ano após ano. Aliás, a
graça do presépio está em ser criativo, tornan do cada um deles
diferente, pessoal e único. O primeiro presépio deste tipo que se
conhece em uma casa privada foi provavelmente elaborado em 1567: sabemos
pelo seu testamento que a Duquesa de Amalfi, Constanza Piccolomini,
possuía dois baús com 116 figuras, utilizadas para representar o
Nascimento e a Adoração dos Reis Magos.
No século XVIII, conventos e cortes dedicaram-se à construção
de presépios. Em Nápoles, Carlos III, rei das Duas Sicílias, investiu
fortunas para construir presépios de madeira talhada ou pedra esculpida
com um enorme número de personagens coloridos e cenas da vida popular;
daí proveio a tradição dos presépios napolitanos.
Se Nápoles, Sicília, Munique e a região alpina alemã
estabeleceram uma tradição em presépios, o Brasil não ficou atrás. Já em
1532, o padre José de Anchieta, ajudado pelos índios, modelava em barro
pequenas figuras representando o presépio, com o propósito de inculcar
nos indígenas a tradição de honrar o Menino Jesus no dia de Natal. Mais
tarde, começaram a aparecer cenas com características nacionais, como
lavadeiras que carregavam trouxas, fazendeiros que cuidavam de animais,
mulheres que davam milho a galinhas, monjolos, montes, árvores da terra e
igrejinhas iluminadas.
No século XX, surgem legítimos representantes nacionais da
arte do presépio. Um caso é o presépio do Pipiripau, em Belo Horizonte,
com quarenta e duas cenas. Outro destaque é o trabalho das figureiras do
Vale do Paraíba, em São Paulo, principalmente Taubaté. E como esquecer o
mestre Vitalino de Caruaru, Pernambuco, com as suas pequenas figuras
modeladas em barro? E as obras realizadas em São Paulo por Evarista
Ferraz Salles, pioneira no Brasil em trabalhos de artesanato de palha,
milho e bucha, com os seus presépios dentro de cabaças, que são
reconhecidos nacional e internacionalmente? [1]
Perguntei a um teólogo: O que é o presépio? Ele respondeu-me sabiamente:
A festa de Natal ocupa um lugar muito especial no coração dos
cristãos. Possui um brilho e um calor humano que nos comovem mais do que
qualquer outra cristã.
Muito desse encanto se deve a São Francisco de
Assis e à famosa celebração do Natal em Greccio, no de 1223. Essa
celebração contribuiu decisivamente para que se desenvolvesse e se
estendesse o formosíssimo costume de montar presépios para comemorar o
evento.
Tomás de Celano, o primeiro biógrafo de São
Francisco, relata-nos: "Celebrava com incrível alegria, mais que nenhuma
outra solenidade, o Natal do Menino Jesus, pois afirmava que era a
festa das festas, em Deus, feito um menino pobrezinho, pendeu de tos
humanos. Beijava como um esfomeado as imagens dessa criança, e a
derretida compaixão que tinha coração pelo Menino fazia com que
balbuciasse palavras doces, como uma criancinha. Para ele, esse me era
como um favo de mel nos seus lábios" [2].
São Francisco tinha um amor imenso por Jesus, Deus-conosco, que
o levou a visitar a Terra Santa e a relíquia da manjedoura em que Jesus
teria sido posto ao nascer, e que hoje se encontra em Santa Maria
Maior, em Roma. Essas viagens podem tê-lo animado a montar a celebração
de Greccio. Mas, sem dúvida, o que mais influiu nele foi o desejo de
viver com maior realismo e proximidade o nascimento de Jesus.
Havia naquela cidade um homem chamado João, "de boa fama e
vida ainda melhor, por quem São Francisco tinha especial amizade", e a
quem o santo encarregou de preparar a representação da cena,
dizendo-lhe: "Quero evocar o menino que nasceu em Belém, os apertos que
passou, como foi posto num presépio, e ver com os meus próprios olhos
como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro"[3].
Já na véspera do Natal, o povo aproximou-se, alegre com a
expectativa de ver o mistério representado ao vivo. Os frades cantavam,
dando louvores ao Senhor. A missa de Natal foi celebrada ali mesmo, e
diz-se que o sacerdote que a celebrou sentiu uma piedade que jamais
experimentara até então. São Francisco, que era diácono, cantou com voz
sonora o santo Evangelho. Depois pregou ao povo presente, dizendo coisas
maravilhosas sobre o nascimento do Rei pobre e sobre a pequena cidade
de Belém [4].
O cardeal Ratzinger, antes de tornar-se Papa, comentou a nova
dimensão que São Francisco tinha outorgado à festa cristã do Natal. A
descoberta da revelação do «Emanuel», Deus-conosco, realizada no Menino
Jesus, penetra profundamente nos corações dos cristãos, porque nenhum
obstáculo de sublimidade ou de distância nos separa mais dEle. Como
menino, aproximou-se tanto de nós que podemos tratá-lo sem receio, com
simplicidade e total confiança:
"No Menino Jesus, torna-se patente, mais que em nenhuma
outra parte, o amor indefeso de Deus: Deus vem sem armas, pois não
pretende assaltar de fora, mas conquistar de dentro, e a partir daí
transformar-nos. Se algo pode desarmar e vencer os homens, a sua
vaidade, a sua sede de poder ou a sua violência, assim como a sua
cobiça, é a fragilidade de um menino. Deus escolheu essa fragilidade
para nos vencer e para tornar-nos conscientes do que realmente somos.
[...]
"Quem não entendeu o Mistério do Natal não entendeu o que é
mais decisivo e fundamental no ser cristão. Quem não o aceitou, não pode
entrar no reino dos céus. Isso é o que Francisco pretendia recordar à
cristandade da sua época e à de todos os tempos posteriores"[5].
Podemos ainda perguntar-nos: Por que o boi e o asno fazem parte
do presépio desde o começo? Novamente é o cardeal Ratzinger quem nos
responde:
"O boi e o asno não são mera produção da fantasia.
Converteram-se, pela fé da Igreja, [...] nos acompanhantes do
acontecimento natalino.
Com efeito, em Isaías 1,3 diz-se
concretamente: «O boi conhece o seu dono, e o asno o presépio do seu
amo, mas Israel não entende, o meu povo não tem conhecimento».
"Os Padres da Igreja viram nessas palavras uma profecia que
apontava para o novo povo de Deus, a assembleia dos judeus e dos
cristãos. Diante de Deus, todos os homens, tanto judeus como pagãos,
eram como bois e asnos, sem razão nem conhecimento. Mas o Menino, no
presépio, abriu-lhes os olhos, de maneira que agora reconhecem a voz do
seu dono, a voz do seu Senhor.
"Nas representações medievais do Natal, não deixa de causar
estranheza o fato de esses animais chegarem a ter rostos quase humanos e
a prostrar-se e inclinar-se perante o mistério do Menino, como se o
entendessem e o estivessem adorando. Mas isso era lógico, uma vez que
esses dois animais eram como símbolos proféticos sob os quais se oculta o
mistério da Igreja, o nosso mistério, já que nós somos boi e asno
diante do Eterno, boi e asno cujos olhos se abrem na noite de Natal, de
forma que, no presépio, reconhecem o seu Senhor. [...]
"Quando colocamos as figuras que nos são familiares no
presépio, devemos pedir a Deus que conceda aos nossos corações a
simplicidade que sabe descobrir o Senhor no Menino, tal como Francisco
na sua época. Então poderemos experimentar o que nos conta Celano
acerca dos participantes da celebração de Greccio com umas palavras
muito parecidas às de São Lucas a propósito dos pastores da primeira
noite de Natal (Lc 2, 20): «Todos regressaram para suas casas repletos
de alegria»"[6].
Depois de perguntar aos entendidos, resolvi perguntar a uma criança: O que é o presépio? Ela simplesmente me respondeu:
E o lugar onde Deus nasce.
Perguntei também a um escritor de contos: O que é o presépio? Ele respondeu-me:
É o lugar ideal para voltarmos a ser crianças e deliciar-nos
com os sonhos de Deus. É a inspiração indispensável para escrever e ler
contos de Natal.
[1] Cfr. Oscar D'Ambrósio, A arte dos presépios .
[2] Tomás de Celano, "Segunda vida de Sâo Francisco, em Fontes
nciscanas, 9 a ed., Vozes/FFB, Petrópolis, 2000, n 199.
[3] Tomás de Celano, "Primeira vida de São Francisco", em Fontes franciscanas , n. 84. F omes
[4] Cfr. ibid ., ns. 85-86.
[5] Joseph Ratzinger, El rostro de Dios , Ediciones Sígueme, Sala-1983, págs. 19-25.
[6] Ibid.
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Exemplo de presépio napolitano
O
Presépio do Pipiripau, um dos mais tradicionais de Minas Gerais, no
Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, em Belo
Horizonte-MG. O presépio feito pelo artesão Raimundo Machado, em 1906,
ocupa uma área de 20 metros quadrados e narra a vida de Cristo. Os
interessados em conhecer a obra devem agendar visita pelo site www.mhnjb.ufmg.br.
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