Aiko e Cinza à mesa das existências
Ele não conhecia a boa vida nem imaginava uma diferente da
que levava; porém, tinha um desejo: fazer uma refeição pelo menos uma
vez, com mesa posta rodeada de uma família ou de seres que o amassem e
que ele, reciprocamente, o sentisse.
Esse desejo se despertou quando Aiko completara seus treze
anos nas ruas de Kanazawa, província de Ishikawa, localizada no litoral
do Mar do Japão. O menino vivia pelas ruas mais simples e sem a família
que tanto sonhara. É o tipo de situação que, de repente, ocorre, e
simplesmente já é.
O nome Aiko traz em sua significação o que ele era em sua
essência: criança amorosa. De certa forma, poderia ser imensamente
contraditório, mas se sabe que o amor pode ser presenciado de múltiplas
maneiras e ocasiões. E Aiko, mesmo sozinho, ou melhor, com um gato
acinzentado, era feliz e fazia quem com ele estivesse por algum momento,
também muito feliz.
A sua valorização era sensível quanto à natureza. E numa
sexta-feira de primavera, o menino se encontrava num dos cuidados e
maravilhosos parques, como é comum em todo o Japão, e sua mão ainda
pequena e delicada tocava carinhosamente nas folhas, ainda com mais
cuidado, nas flores que da planta floresciam.
Quanto respeito e amor! Reverenciava as “pequeninas”, assim
como as chamava. Encantadoramente as admirava. Seu gato Cinza,
realmente era o nome, observava seu companheiro em total silêncio; tanto
um aprendia com o outro.
E naquela tarde, o sol tão brilhante se irradiava como
ouro, com seus raios amarelo-ouro, pelo parque. O menino anotava
informações. Desde tenra idade, aprendera a ler e a escrever, talvez
trouxera a bagagem de outro tempo. Conhecia importantes histórias;
admirava o movimento do vento, a sua variação, dinâmica; silenciava,
respeitosamente, ao perceber a montagem do céu para, com a chuva, aguar a
terra.
Aiko não guardava para si as anotações, mas as entregava em
forma de pergaminho para o porteiro de um laboratório renomado em sua
cidade.
Ainda na sexta à tarde, no parque, o menino anotou
incontáveis observações como se preenchesse um longo relatório. Também
desenhava algumas flores visualizadas e registrava as informações
necessárias. Quando percebera, já era o horário para o fechamento dos
portões. Os guardas do lugar o conheciam e tinham muito apreço por ele.
– Boa tarde, Aiko!
– Boa tarde, senhor guarda do parque! Bom descanso e até amanhã! – assim o menino os saudava.
Normalmente, as pessoas voltam para casa no fim de tarde,
começo da noite; no entanto, Aiko não tinha uma família para esperá-lo e
nem uma casa comum para retornar. Muito se ouve que a vivência padrão é
a mais provável de se encontrar, porém, não quer dizer a única forma
adequada para se viver.
E Aiko retornava para sua grande flor, assim ele nomeava
sua casa. Uma construção com tudo o que se pudesse imaginar de
reciclável. Aiko e Cinza já estavam a uns dez passos para chegarem ao
lar quando um forte clarão abrilhantou os olhos do gato e os do menino. O
animal levou um grande susto e se escafedeu pelo espaço encontrado. O
menino parou, extasiado, com a surpresa do que lhe poderia suceder.
Talvez durara de cinco a dez segundos aquele brilho, um significativo tempo para determinado e imprevisto acontecimento.
Quando o menino foi capaz de abrir os olhos… não acreditava no que estava em sua frente.
Dois quadros se punham diante do olhar juvenil: o da
esquerda trazia a imagem de um ancião ocidental, com barba e cabelos
longos brancos, túnica de cor clara, chapéu com formato de cone e tantos
vidros de vários tamanhos sobre uma mesa, os quais o homem administrava
num trabalho de grande necessidade e responsabilidade.
O quadro do lado direito exibia a imagem de um homem
oriental voltado para uma mesa repleta de aparelhos, microscópios,
computadores de alta precisão para o trabalho desenvolvido. O homem
vestia um jaleco longo e branco, estava com os cabelos curtos e com a
barba feita. Demonstrava habilidade no manuseio de seu material.
Aiko atentava-se aos dois. Começou a associar o segundo ao primeiro. E nos dois, um gato cinza.
– Seria a sequência? – questionava-se o menino.
Refletia, estupefato, procurando compreender a significação das duas telas no tempo. Era fenomenal!
Esqueceu-se de si e de seu redor. Queria insaciavelmente entender tudo aquilo. E tão familiar eram os olhos.
Pôde mais uma vez reparar com observância o quadro da direita e depois o outro.
Com a mesma rapidez que se construiu a imagem também deixou
de ser. E estava de volta o cenário simples da rua japonesa. Com a
calmaria presente, o gato Cinza veio se aproximando, atento, do menino
companheiro.
Aiko percebeu o animal, um pouco desconcertado, mas
retomando a ação comum. O menino, maravilhado, ainda se encontrava na
mesma posição na calçada, onde tudo sucedera.
Buscou uma vez mais os quadros; porém, já não eram visíveis
aos olhos; eles existiam no tempo e na vida. Dimensões simultâneas e
distintas.
Restou, então, a entrada para casa.
– Venha, Cinza. Vamos, meu amigo!
O menino olhou para o céu e quantas estrelas havia. Respirou fundo e foi para o lar.
Como conhecia a construção de sua casa, abriu com cuidado a
porta, mas antes de abri-la totalmente, percebeu uma claridade incomum.
E abriu, com calma, a porta do lar.
Parados à porta, o menino e o gato, de bocas abertas, se
deslumbraram com o cenário: uma mesa posta com todos os detalhes dignos
de um sonho agora realizado.
Em cada extremidade da mesa havia um homem. O lado esquerdo
estava ocupado pelo ancião; o direito, pelo jovem homem oriental. Aiko
sentou-se ao meio da mesa: entre um e outro. Cinza deitou-se no chão, ao
lado do menino.
Na sexta-feira à noite, Aiko realizou o grande desejo. E os
três possuíam o mesmo olhar: do que foi, do que é e do que pode vir a
ser. A responsabilidade com a vida é, incontestavelmente,
imprescindível, pois há muito por fazer para o progresso. O futuro
sempre aguarda, mas depende da conduta do presente. E o espírito é
eterno com sua multiplicidade de existência.
(Cínthia Cortegoso)
Boa tarde prezado Reinaldo Lima, Você procura dar o de melhor para seus leitores. Cão de caça vem de Raça. Minucioso em tudo. Beijos
ResponderExcluirBom dia prezada parenta. obrigado pela sua gentileza. Abraços
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