Contos e crônicas
Através
da janela da vida
CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR
Certa vez, em meio a uma viagem
inesperada, num trem que cruzava pequenos países da Europa, um senhor calmo e
observador, de barba rala e crescida, sentado sozinho num dos bancos, olhava
através do vidro. Seu olhar atravessava o tempo, a paisagem e se encontrava no
ângulo das somas de sua experiência.
Sem nenhum pouco querer, mas sua
postura de sábio senhor despertava curiosidade nos viajantes da mesma hora. Os
que transitavam de um vagão a outro ao avistarem-no, de fato, sentiam enorme
vontade de sentarem-se ao lado e poderem conversar. Não tardou e um jovem rapaz
pediu licença e sentou-se próximo ao senhor. De início, o silêncio foi mais
alto, porém em alguns minutos, o jovem começou a relatar a ocorrência em sua
vida que lhe trazia amargor. O senhor ouvia com atenção e após ouvir
simplesmente respondeu:
‒ O amor cura.
Os olhos do senhor se voltaram ao
jovem que questionou:
– Só isso que tem a falar, senhor?
O homem ainda olhando ao rapaz,
sorriu.
Como o rapaz não ouviu o que
desejava, pediu licença e retirou-se.
O senhor sorriu e murmurou as
palavras: Sim, meu rapaz, o amor cura a ferida do orgulho.
E a viagem seguia o curso entre
paisagens lindas nas terras europeias.
Como o senhor já fora percebido por
muitas pessoas mesmo em sua discrição – toda energia exala sua essência –, uma
senhora que observara o ocorrido com o jovem, apesar de não saber o conteúdo da
conversa, também se aproximou do homem pedindo licença para sentar-se. O senhor
sorriu levemente e consentiu com a cabeça.
A mulher iniciou com um comentário
sobre os campos floridos vistos por grande extensão, no entanto, logo em
seguida relatou um acontecimento que a deixara muito infeliz desde então. O
senhor, da mesma forma, ouvia com atenção olhando através da janela. A senhora
desejando um parecer favorável, apenas ouviu:
‒ O amor cura.
A mulher com um ar impaciente,
levantou-se e saiu sem uma palavra.
O senhor sorriu e murmurou as
palavras: Sim, minha senhora, o amor cura a chaga da intolerância.
Antes de chegar ao seu destino, o
senhor fora acompanhado, em breves minutos, por várias pessoas diferentes que
se retiraram de perto com semblantes ora inconformados e descontentes, ora
amargurados e enraivecidos. Entretanto, para cada visita rápida que recebia,
ele apresentava um sorriso bondoso e experiente e murmurava: O amor cura.
Quase próximo à estação final, um
jovem rapazinho pediu permissão para se achegar e buscou a mesma direção que os
olhos calmos do senhor já encontraram. Os dois, tranquilos e em silêncio,
olhavam para a paisagem, mas sentiam antes de tudo a essência que a sabedoria
da vida insistentemente deseja mostrar. A diferença de idade era um cisco que
não se sente, pois o que sempre importará é a vontade disciplinada em alcançar
o que é verdadeiro para o ser imortal.
‒ O rastelo que livra o campo do
capim seco, sufocante e mofado alivia o solo como o amor neutraliza e elimina
os secos, infrutíferos e destruidores sentimentos.
– E florescerão sempre as sementes
plantadas pelo coração – o rapaz completou.
As luzes da estação já eram vistas.
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