Contos e crônicas
As calçadas de Brasília
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
— Há cerca de trinta anos, Machado, eu estava dentro de um supermercado da Asa Norte, em Brasília, procurando distraidamente um saco de leite e outros alimentos perecíveis para o sustento semanal de minha família. De repente, como que saída do nada, eis que uma jovem muito bonita, microfone na mão e acompanhada por um cinegrafista, me aborda com a seguinte pergunta:
— O que você acha, atualmente, do preço dos alimentos nos mercados de Brasília?
O susto foi imenso, mas, ante aquela figura angelical, balbuciei uma resposta mais ou menos assim:
— Bem, a vida não está fácil. O preço do leite está de matar...
Antes mesmo que eu continuasse a responder-lhe, a jovem agradeceu-me pela resposta e desapareceu, com seu colega de profissão.
— Hoje, quando voltava da academia, pela calçada quebrada que fica em frente ao bloco paralelo à Via W1, carregada de pés de jamelão, avistei, não uma linda jovem, mas um rapaz mais ou menos da idade que eu tinha há trinta anos. Vi-o, à minha frente, cerca de vinte metros. Tentou entrevistar uma senhora humilde que passava, mas esta esquivou-se da pergunta e seguiu seu caminho, assustada como eu ficara décadas atrás.
Atrás dessa senhora, vinha uma jovem, que estava à mesma distância que eu do jornalista e, como o alcançamos quase ao mesmo tempo, imaginei que ele optaria por entrevistá-la, mas enganei-me, e o entrevistado fui eu, agora já prevenido...
— Boa tarde, senhor, sou jornalista da TV Bandeirantes, qual é o seu nome?
— Chamo-me Joteli, para servi-lo. O que deseja? — perguntei-lhe, ansioso para que a entrevista durasse, ao menos, 15 minutos, não sei por quê.
— Quero saber sua opinião sobre as calçadas em frente aos blocos residenciais de Brasília, como esta em que estamos. O senhor não acha que está muito perigosa?
— De fato, a calçada está toda quebrada. Isso demonstra o descaso governamental com o dinheiro de nossos impostos. Imagine se uma pessoa idosa tropeça nesses pedaços de concretos. E não é só a calçada que está toda quebrada, há também buracos para todos os lados. Sem contar a péssima ideia de plantarem jamelões ao lado da calçada. Na época dessa fruta, nossos calçados ficam roxos, ao andarmos por aqui, pois ela cai e espalha-se calçada afora. Se isso se dá em Brasília, calcule como não deve ser nos outros estados...
— Sim, mas...
— Tudo isso na Capital! Imagine então, meu jovem, o que não ocorre nos milhares de municípios brasileiros, tendo em vista a corrupção endêmica que grassa pelo nosso país afora. É por isso que sou a favor de concurso público para preencher todas as vagas de emprego em todos os escalões governamentais.
Nosso país está desse jeito por permitir a nomeação exacerbada de pessoas para exercerem atividades profissionais que caberiam a concursados. Isso quando não fraudam os próprios concursos públicos, para nomearem seus parentes, amigos e amigos dos seus amigos... Por vezes, abrem concursos, sem a mínima necessidade, apenas para arrecadar dinheiro, como ocorreu com o do IBAMA, em que meu genro foi aprovado em primeiro lugar, dentre todos os candidatos do Brasil, mas nunca foi nomeado. E quando se apela para a Justiça...
— Certo, mas...
— Enquanto não for mudada a mentalidade do brasileiro e não se instituir a obrigatoriedade de preenchimento de vagas, por concursos públicos idôneos, em todas as áreas de atividade social, nos municípios, estados e federação, o descaso com o dinheiro arrecadado com os nossos impostos continuará permitindo falcatruas e acordos espúrios de nossos governantes com empresários desonestos.
— Mas...
— Ainda tem mais, esse governo não nos representa. Tenta blindar políticos corruptos, nomeando Fulano de Tal ministro, para que ele não seja preso, e dando status de ministro a deputado amigo do presidente, para que o parlamentar não opte pela delação premiada...
— Entretanto...
— Entretanto, nossa ex-presidenta foi impedida desse ato, quando o governo anterior tentou nomear ministro um ex-torneiro mecânico, cuja digna profissão eu também exerci na Light, no Rio de Janeiro, nos anos de 1966 a 1968, embora eu não tivesse a mesma verborragia de palanques eleitorais e muito menos vocação para a política... Enfim, isso é uma vergonha! – como diria Boris Casoy, atualmente na Rede TV News.
Fazer propaganda do canal concorrente foi demais para o jovem jornalista, que encerrou a entrevista na hora.
— Joteli, esgotaste teus quinze minutos de glória. Agora, toma um piparote e cala-te, falastrão!
— Desculpa, amigo Machado, mas enquanto houver indignação neste país ele ainda tem jeito.
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