Um leitor pergunta-nos: “Como nos colocarmos quando
surgem dúvidas quanto à formação do corpo de Mestre Jesus? Jesus encarnou em um
corpo físico? Jesus utilizou um corpo fluídico (agênere)?”
Há no meio espírita duas correntes diametralmente
opostas quanto à discussão sobre a natureza do corpo que Jesus utilizou em sua
estada entre nós, como filho de Maria de Nazaré.
Uma corrente, com fundamento na obra Os Quatro
Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, crê firmemente que Jesus valeu-se
tão somente de um corpo fluídico, ou seja, teria sido um agênere.
A outra corrente, fundamentada na obra A Gênese,
de Allan Kardec, entende que Jesus teve sim, como todos os homens, um corpo
material, além do corpo fluídico inerente às criaturas humanas.
Aliam-se à corrente kardequiana escritores de
renome no meio espírita, como José Herculano Pires, Carlos Imbassahy e Deolindo
Amorim, entre outros.
Os argumentos utilizados por Allan Kardec podem ser
vistos no cap. XV, itens 64 a 66, do livro A Gênese, sua última obra
publicada em vida, fato que se deu em 1868. Kardec, como se sabe, desencarnou
em 31 de março de 1869.
Pela lógica e pela racionalidade de sua exposição,
aliamo-nos também ao pensamento do Codificador do Espiritismo, que reproduzimos
em seguida:
64. O desaparecimento do corpo de Jesus após sua
morte há sido objeto de inúmeros comentários. Atestam-no os quatro
evangelistas, baseados nas narrativas das mulheres que foram ao sepulcro no
terceiro dia depois da crucificação e lá não o encontraram. Viram alguns, nesse
desaparecimento, um fato milagroso, atribuindo-o outros a uma subtração
clandestina.
Segundo outra opinião, Jesus não teria tido um
corpo carnal, mas apenas um corpo fluídico; não teria sido, em toda a sua vida,
mais do que uma aparição tangível; numa palavra: uma espécie de agênere. Seu
nascimento, sua morte e todos os atos materiais de sua vida teriam sido apenas
aparentes. Assim foi que, dizem, seu corpo, voltado ao estado fluídico, pôde
desaparecer do sepulcro e com esse mesmo corpo é que ele se teria mostrado
depois de sua morte.
É fora de dúvida que semelhante fato não se pode
considerar radicalmente impossível, dentro do que hoje se sabe acerca das
propriedades dos fluidos; mas, seria, pelo menos, inteiramente excepcional e em
formal oposição ao caráter dos agêneres. (Cap. XIV, nº 36.) Trata-se, pois, de
saber se tal hipótese é admissível, se os fatos a confirmam ou contradizem.
65. A estada de Jesus na Terra apresenta dois
períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua morte. No primeiro, desde o
momento da concepção até o nascimento, tudo se passa, pelo que respeita à sua
mãe, como nas condições ordinárias da vida. Desde o seu nascimento até a sua
morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas diversas circunstâncias da
sua vida, revela os caracteres inequívocos da corporeidade. São acidentais os
fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem e nada têm de anômalos, pois
que se explicam pelas propriedades do perispírito e se dão, em graus
diferentes, noutros indivíduos. Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele
revela o ser fluídico. É tão marcada a diferença entre os dois estados, que não
podem ser assimilados.
O corpo carnal tem as propriedades inerentes à
matéria propriamente dita, propriedades que diferem essencialmente das dos
fluidos etéreos; naquela, a desorganização se opera pela ruptura da coesão
molecular. Ao penetrar no corpo material, um instrumento cortante lhe divide os
tecidos; se os órgãos essenciais à vida são atacados, cessa-lhes o
funcionamento e sobrevém a morte, isto é, a do corpo. Não existindo nos corpos
fluídicos essa coesão, a vida aí já não repousa no jogo de órgãos especiais e
não se podem produzir desordens análogas àquelas. Um instrumento cortante ou
outro qualquer penetra num corpo fluídico como se penetrasse numa massa de
vapor, sem lhe ocasionar qualquer lesão. Tal a razão por que não podem morrer
os corpos dessa espécie e por que os seres fluídicos, designados pelo nome de
agêneres, não podem ser mortos.
Após o suplício de Jesus, seu corpo se conservou
inerte e sem vida; foi sepultado como o são de ordinário os corpos e todos o
puderam ver e tocar. Após a sua ressurreição, quando quis deixar a Terra, não
morreu de novo; seu corpo se elevou, desvaneceu e desapareceu, sem deixar
qualquer vestígio, prova evidente de que aquele corpo era de natureza diversa
da do que pereceu na cruz; donde forçoso é concluir que, se foi possível que
Jesus morresse, é que carnal era o seu corpo.
Por virtude das suas propriedades materiais, o
corpo carnal é a sede das sensações e das dores físicas, que repercutem no
centro sensitivo ou Espírito. Quem sofre não é o corpo, é o Espírito recebendo
o contragolpe das lesões ou alterações dos tecidos orgânicos. Num corpo sem
Espírito, absolutamente nula é a sensação. Pela mesma razão, o Espírito, sem
corpo material, não pode experimentar os sofrimentos, visto que estes resultam
da alteração da matéria, donde também forçoso é se conclua que, se Jesus sofreu
materialmente, do que não se pode duvidar, é que ele tinha um corpo material de
natureza semelhante ao de toda gente.
66. Aos fatos materiais juntam-se fortíssimas
considerações morais. Se as condições de Jesus, durante a sua vida, fossem as
dos seres fluídicos, ele não teria experimentado nem a dor, nem as necessidades
do corpo. Supor que assim haja sido é tirar-lhe o mérito da vida de privações e
de sofrimentos que escolhera, como exemplo de resignação. Se tudo nele fosse
aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de sua morte, a cena
dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos
lábios o cálice de amarguras, sua paixão, sua agonia, tudo, até ao último
brado, no momento de entregar o Espírito, não teria passado de vão simulacro,
para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de
sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna,
portanto, e com mais forte razão, de um ser tão superior. Numa palavra: ele
teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade. Tais as
consequências lógicas desse sistema, consequências inadmissíveis, porque o
rebaixariam moralmente, em vez de o elevarem.
Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal
e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos
fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência. (A Gênese, itens 64,
65 e 66.)
No texto acima é importante atentar para este
trecho: “Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluídico. É
tão marcada a diferença entre os dois estados, que não podem ser assimilados”.
Eis, quanto a essa assertiva, uma prova mais que
evidente, narrada pelo evangelista João:
E Maria estava chorando fora, junto ao sepulcro.
Estando ela, pois, chorando, abaixou-se para o sepulcro. E viu dois anjos
vestidos de branco, assentados onde jazera o corpo de Jesus, um à cabeceira e
outro aos pés. E disseram-lhe eles: Mulher, por que choras?
Ela lhes disse: Porque levaram o meu Senhor, e não
sei onde o puseram.
E, tendo dito isto, voltou-se para trás, e viu
Jesus em pé, mas não sabia que era Jesus.
Disse-lhe Jesus: Mulher, por que choras? Quem buscas?
Ela, cuidando que era o hortelão, disse-lhe:
Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei.
Disse-lhe Jesus: Maria!
Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni, que quer
dizer: Mestre.
Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não
subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu
Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Maria Madalena foi e anunciou aos
discípulos que vira o Senhor, e que ele lhe dissera isto. (João, 20:11-18.)
O episódio narrado por João comprova dois fatos:
1º - que havia notável diferença entre o corpo de
Jesus que Maria Madalena conhecera de perto e o corpo de Jesus
pós-crucificação;
2º - que o corpo de Jesus pós-crucificação, além de
diferente do outro, a ponto de não ter sido reconhecido por Maria, não continha
as marcas de sangue e os ferimentos que lhe foram causados por seus algozes.
A conclusão é óbvia e fácil: o corpo de Jesus
pós-crucificação era seu corpo espiritual ou perispírito, em uma manifestação
vaporosa ou tangível, tal como já foi verificado em inúmeros casos relatados na
literatura espírita, dos quais os exemplos mais significativos foram as
materializações de Katie King, entidade espiritual que foi examinada e fotografada
pelo cientista inglês Sir William Crookes. Sobre o caso Katie King, o leitor
pode obter outras informações no texto publicado na edição 59 da revista “O
Consolador”. Eis o link: http://www.oconsolador.com.br/ano2/59/classicosdoespiritismo.html
Postado
por Astolfo Olegário de Oliveira
Filho às 06:57 0 comentários
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