sábado, 28 de fevereiro de 2015

A SOLUÇÃO FORA DO QUADRADO

Especial Inglês Espanhol    
Ano 8 - N° 403 - 1° de Março de 2015
CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)
 
 
Christina Nunes
Segundo dicionários etimológicos a origem da palavra religião vem do latim “re-ligare”, significando voltar a ligar, ligar de novo – de onde se deduz que o termo religião se refere à condição de se reatar os laços dos indivíduos com Deus. Para tanto, então, há que partir do pressuposto de que, de algum modo, e em algum momento, cortamos nossos laços com o Criador e com a origem da mesma Vida que nos nutre, nos cerca e permeia tudo o que existe no Universo.
Todavia, permanece a incógnita: em que instante aconteceu este rompimento? Houve este marco a partir de um ponto ao longo da história da humanidade? Ou será que este desligamento ocorre desde sempre, de maneira intermitente – desde que, nos primórdios, a criatura intuía de maneira rudimentar pertencer, a sua individualidade, a uma Autoria soberana que lhe deu realidade no mundo; ou naqueles instantes em que, mergulhada nos caminhos tortuosos das muitas personalidades, vivenciadas na sucessão das reencarnações, as almas se perdem de um estado de consciência mais desperta, que lhes segreda a existência daquela Inteligência sábia, perfeita, a partir da qual sua própria vida se originou?
O impulso instintivo, inerente ao ser humano, de se voltar ao socorro e à inspiração dessa Força ou Ser Supremo a partir do qual, ao contemplarmos o infinito estrelado acima de nós, intuímos o maná de toda a nutrição espiritual de que necessitamos para avançar por entre o aprendizado difícil do dia a dia - originando a fé -, foi o responsável pela criação das incontáveis religiões, nascidas em concomitância com os múltiplos temperamentos dos povos e a partir de culturas, contextos sociais e visões da vida diferentes.  
Necessitamos de uma religiosidade mais racional 
Na sucessão incessante dos fatos históricos, todavia, nos conscientizamos hoje, e mais claramente, de um marco que, sob análise mais detida, oferece-nos um impasse. Um auxílio eficiente para todos os graves dilemas da Humanidade, com seus dramas morais, guerras, problemas sociais e políticos, residiria, a esta altura, na influência positiva de qualquer formato religioso institucionalizado? Tendo como base apenas as crenças sedimentadas sobre conteúdos teológicos teóricos, e discursos explanados em quaisquer púlpitos ou tribunas, ou ainda na leitura de livros sagrados n’algum tempo forjados pelas próprias mãos dos homens? Ou será que mais necessitamos, frente à grave crise mundial em plena efervescência da transição planetária, de algo que nos exija uma religiosidade mais prática e mais racional – sobretudo, que nos cobre maior cota de responsabilidade sobre as nossas atitudes e respectivas consequências, reposicionando-nos como coautores de nossa própria história, e rejeitando, em consciência, a atitude cômoda de atribuir os males flageladores de nossas trajetórias à abstração das punições de um Deus entendido como à parte de nós mesmos, e demasiado distante de nossos cotidianos?
Uma religiosidade – como referência aplicada de um estilo de vida mais espiritualizado, implicando maturidade acerca de escolhas que, está visto, criam repercussões incessantes para nós e para o nosso próximo, a cada iniciativa, e a curto ou longo prazo!
Esta premissa encontra ressonância nas mesmas Leis Universais que nos governam, hoje debatidas e explicadas em regime de sincronia por inúmeras frentes científicas e correntes filosóficas, místicas, ou mesmo religiosas. Fala-se a respeito nos livros da Codificação e em vários volumes de conteúdo espírita, que mencionam, à farta, o funcionamento da Lei de Causa e Efeito ao longo das nossas vidas sucessivas. Cita-se o assunto nos postulados respeitáveis da Kabbalah judaica e nas discussões diárias nas mídias, envolvendo os temas da Lei da Atração. E, desde há tempos milenares, do Budismo ao Hinduísmo, em todos os movimentos religiosos que apregoaram a máxima do “se fazer ao próximo apenas o que se quer para si mesmo”. 
Da Idade Média para cá pouca coisa mudou 
Já no começo deste ano o mundo inteiro entrou em choque e repercutiu a tragédia em Paris, com a chacina promovida num semanário satírico francês por extremistas radicais do Islã. Associam-se, erroneamente, essas ações terroristas ao conteúdo de religiões que, em absoluto, através de seus profetas e mensageiros da Luz divina, jamais defenderam a violência como resposta a susceptibilidades ideológicas no território religioso.
Os cartunistas franceses, assim, sofreram uma resposta desproporcional às suas percepções, não se sabe até que ponto equivocadas, dos valores religiosos alheios. Curiosamente, em condições semelhantes ao havido outrora, nos idos da Idade Média, quando a coroa francesa acabou por apoiar o despotismo católico para desencadear a brutal Cruzada Albigense, na região do Languedoc, em razão de diferenças de interpretação e de conduta frente à mensagem de Jesus, que, na época, ameaçavam, sobretudo, os interesses de controle de consciências e de supremacia político/religiosa do catolicismo sobre aqueles povos cátaros, incinerados vivos nas fogueiras odiosas da Inquisição.
Daqueles séculos para cá, portanto, caro leitor, o que mudou? Em essência, não muito. Investimentos de interesses econômicos, políticos, religiosos, ou meras opiniões, sempre, e de algum modo, são e serão afrontados pelo pensador que ousa lançar mão da liberdade de expressão de seu pensamento – ainda que, em muitas vezes, e de forma inegável, de maneira imprópria para com os valores alheios, se o que se quer para uma sociedade civilizada é justamente o respeito pelas diferenças de ideologia, de fé, individuais ou populacionais. No entanto, o que, de todo este longo rosário de fatos dolorosos se repetindo ao longo da História, se infere, hoje, com facilidade, bastando para isso uma reflexão mais isenta, imparcial – sobretudo, impessoal
É necessário e urgente ter respeito pelas diferenças 
São chegados os tempos em que, frente à globalização expansiva em escala geométrica, que dilui fronteiras e lança a humanidade num processo irreversível de massificação das informações, não se faz mais possível pretender que a questão religiosa seja preservada em formatos inflexíveis, ortodoxos. Efetiva e irreversivelmente, há informação, conhecimento entrecruzado em várias frentes, esclarecimentos demais disseminados ao gosto do livre-arbítrio e das escolhas individuais, para que não se reveja a urgência da convivência pacífica entre as diferentes mentalidades, os diversos temperamentos mundiais e os entendimentos acerca do que concerne ou não ao divino, bem como os modos múltiplos de se lidar com o problema, em favor do progresso humano.
Na hora da dor maior, como a vivenciada pelos franceses e muçulmanos nos últimos dias, no entrechoque de opiniões, aos mais sensatos avultam, de imediato, as reflexões, os pontos convergentes dos incontáveis temperamentos, das muitas tendências religiosas no mundo. Daquelas verdades que, em qualquer tempo, nos sinalizam a necessidade de se aprender, e com urgência, o respeito pelas diferenças. O enaltecimento das reais virtudes do próximo, seja ele muçulmano, cristão, judeu ou budista. Ainda, das expressões mais benéficas de suas visões de religiosidade – ao invés de se pretender sufocar e anular, em privilégio de quaisquer outras, percepções particulares e enraizadas, sobretudo, não mais que em contextos culturais diversos, mas que, surpreendentemente, se bem analisadas, apontam para a mesma direção, adequada a saciar a necessidade tão entranhada de paz, no recesso íntimo de cada criatura humana. 
Precisamos mais de religiosidade do que de religiões 
Esta direção, contudo, inapelavelmente acha-se “fora do quadrado”. De qualquer “quadrado” religioso, institucionalizado ou não. Fora daquela fórmula que, de si, já se comprova, há muito, estar falida, para a devida harmonização entre as pessoas, se o que se quer é um modelo de existência no planeta no qual nunca mais aconteçam outros “Onze de Setembro” ou “Charlie Hebdo”.
É a fórmula que privilegia mais a atitude de religiosidade do que propriamente o formato, ou rótulo religioso. A que, enfim, reconhece, com a prática diária, que a fina flor da mensagem religiosa trazida por profetas e mestres sucessivos que nos visitaram em missão de puro Amor pelo mundo, provindos de dimensões mais evoluídas do universo, não pertence unicamente ao Cristianismo, ao Islamismo, ao Espiritismo, e nem somente à Bíblia, ao Torá ou ao Alcorão.
A fina flor dessa Mensagem superior nos diz que, num futuro mais ou menos distante, também essas fronteiras deverão se dissipar e que, sem a necessidade do esteio de meros rótulos religiosos que hoje mais separam e desencadeiam guerras, o homem caminhará agregando em si uma deliciosa fusão da melhor essência do que um dia se pretendeu como a religião perfeita, presente em todas as correntes religiosas que já existiram e ainda existem, voltadas ao bem no mundo: a essência do Amor supremo pela Vida, existente em si e no outro! A corrente vital que permeia cada uma das criaturas neste planeta, fazendo-se também presente em tantos outros mundos espalhados no Infinito, como nas incontáveis dimensões sequer suspeitadas pela atual humanidade terrena, que apenas gradativamente promove o seu despertar espiritual maior. 
O valor da vida é idêntico para todos os povos 
Há que descobrir que a solução definitiva para a os anseios de pacificação dos povos se acha “fora do quadrado”! Dos tantos formatos rígidos a que ainda nos nossos dias muitos se aferram, para preservação de uma versão basicamente egoística da vida. Formatos e rótulos religiosos, políticos e econômicos que não mostram eficiência para a resolução das maiores agruras materiais e espirituais padecidas pela raça humana. E, após tantos sofrimentos, e o consequente aprendizado obtido através das dores dessas vivências coletivas, gradativamente alcançaremos dias em que, em todos os contextos sociais, falirão, por si, as fórmulas inflexíveis, separatistas!
Porque então se verá com clareza que o valor desta Vida é idêntico em todos os povos que clamam por paz, por sorrisos, e não por lágrimas e dor; e a humanidade haverá de ser mais unificada, usufruindo das riquezas generosas de um mesmo planeta pródigo. E todos, de posse desta nova compreensão, tenderão, enfim, à união, à soma e ao enaltecimento da rica diversidade da existência – não à ilusão dos formatos rígidos, das ideologias opressoras e inflexíveis, geradoras de conflitos e sofrimentos, em quaisquer setores das sociedades!
E por conseguinte, felizes serão esses tempos, em que as muitas compreensões do divino e do funcionamento do Universo se agregarão pacificamente, a partir da população de um orbe em que sua humanidade não precisará mais de qualquer religião – por já ter desperta a consciência para a realidade de que é em si que reside a semente daquela Fonte de Luz que, como um farol abençoado, nos orienta com infalível segurança, e nos faz responsáveis por cada escolha que pode nos levar a viver harmoniosamente. Sempre com base na colheita de uma semeadura permanente de Amor, de Respeito e de Religiosidade!
Fonte: O Consolador Revista de Divulgação Espírita 

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