domingo, 24 de abril de 2016

ONOMATOPEIAS INCÔMODAS - PARTILHDO DE O CONSOLADOR

MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis,

RJ (Brasil)
 
 
Marcelo Teixeira
 
Não cabem na atividade doutrinária ou artística os buás, glá-glá-glás, cof-cofs, ti-ti-tis e trim-trins: é onomatopeia(1) demais atrapalhando a tarefa
Haviam se passado alguns dias do carnaval de 1969 ou 1970 quando Conceição, prima de minha mãe, chegou lá em casa para uma visita. Eu era criança, mas lembro-me que um dos assuntos chamou minha atenção. Conceição contou, indignada, um fato que havia presenciado durante o desfile de blocos e escolas de Petrópolis (RJ), onde moramos. Uma criança de uns quatro anos, tonta de sono, pedia encarecidamente à mãe para ir para casa. E a mãe, um tanto aborrecida, dizia: - Espera aí! Está quase acabando! E a criança, coitada, doida por uma caminha, sentada sonolenta no meio-fio e sendo obrigada pela mãe a ficar no meio de um monte de gente adulta, à noite e tendo como trilha sonora o alarido de um desfile carnavalesco. Conceição achou aquilo uma falta de carinho para com a criança. Ficou tão danada da vida que quase discutiu com a desnaturada genitora.
Os anos se passaram. Eu cresci, estudei, tornei-me espírita. Mas sempre me recordo das palavras da nossa prima quando presencio fatos semelhantes, principalmente no meio espírita.
Certa vez, fui fazer uma palestra em um centro espírita aqui da Região Serrana do RJ. Tudo ia bem até o momento em que uma das evangelizadoras de infância entrou no salão trazendo um garotinho e o entregou à mãe. Em minutos, ele começou a pedir para ir embora; estava com sono. A mãe, no entanto, preferiu ficar até o final da palestra. Durante todo o tempo que ainda restava de exposição doutrinária, o garoto ficou para lá e para cá pedindo para ir para casa dormir.
Eu não me manifestei, mas deveria ter falado o seguinte: - Ô, mãe. Leve o seu filhinho para casa! Ele está com sono, está enjoadinho, doido para dormir! Se ele não ficou na evangelização infantil, na reunião pública, assistindo a uma palestra, é que ele não vai ficar mesmo! Não submeta seu filho a essa tortura! Até hoje me arrependo de não me ter pronunciado.
Presença de criança na palestra pública. Pode?
Digo isso porque, anos antes, o médium e expositor fluminense José Raul Teixeira passou por um fato semelhante durante um seminário em Petrópolis. Casa lotada para assisti-lo. Entre os presentes, uma moça com uma menina de aproximadamente três anos ao colo. Como é impossível manter quieta uma criança dessa idade, ainda mais no colo e em meio a uma plateia adulta, ela começou a se agitar, quis ir para o chão e começou a falar com aquela voz característica. José Raul, então, interrompeu o seminário, virou-se para a mãe da menina e disse: - Não faça isso com a criança. Este local não é apropriado para ela. Sua filha não está aproveitando o seminário, você também não, as pessoas à volta não estão conseguindo prestar atenção e eu estou sendo prejudicado também. A moça, entre surpresa e constrangida, pegou a filha e retirou-se.
A essa altura do texto, algum leitor deve estar pensando que implico com a presença de crianças em reuniões públicas doutrinárias. Implico sim. Mas não com a criança, que não tem culpa de estar ali. Implico com os pais que levam os rebentos em eventos não adequados à idade deles. E quando falo eventos, refiro-me também a peças teatrais e similares, seja dentro ou fora do meio espírita. Já presenciei situações inusitadas.
Há alguns anos, uma peça teatral que estava fazendo muito sucesso na Cidade Maravilhosa foi apresentada em Petrópolis, num final de semana, no Theatro D. Pedro, que tem cerca de 600 lugares. Fila para comprar ingresso e para entrar, prenúncio de casa lotada. Mal entrei no teatro, vi um casal com um bebezinho adormecido nos braços do pai. Eles haviam adquirido ingressos, insistiam em entrar, mas os produtores da peça não permitiam por causa da criança, que poderia acordar e prejudicar o espetáculo. - Mas ele é bonzinho, vai ficar quietinho, disse o pai. Não teve jeito. A produção devolveu o dinheiro dos ingressos e o casal teve de ir para casa, de onde não deveriam ter saído. E por que não? Porque são pais de uma criança bem pequena. E quando estamos em tal situação, devemos ter consciência de que alguns programas terão de ser deixados de lado por um tempo, a não ser que consigamos alguém para tomar conta do nosso filhinho ou filhinha. Caso contrário, fiquemos em casa com eles.  
O que pode causar uma criança importuna
Muitos pais poderão alegar, chateados: - Poxa, mas eu quero ver a palestra ou peça teatral espírita. Só que as outras pessoas também querem; e se houver uma criança chorando, correndo ou pedindo para ir embora, não conseguirão. Tenhamos em mente que provavelmente há na plateia pessoas com problemas sérios. Estão cansadas, deprimidas, desesperançadas. Anseiam por uma palavra que as console e encoraje. Choros e alaridos infantis podem pôr tudo a perder. E lembremos que na tribuna está um palestrante que dedicou horas de estudo para elaborar a palestra. Ele não merece ter a exposição doutrinária prejudicada por uma criança inquieta.
O expositor e escritor espírita Pedro Bonilha, da cidade de Jales (SP), narra, no livro Quem é seu Filho?, um sufoco pelo qual passou durante uma palestra em outra cidade. Pedro, enquanto expunha, pôs as chaves do carro em cima da mesa do salão da reunião pública. No mesmo recinto – lotado, por sinal – um garotinho correndo para todos os lados. Em dado momento, ele foi até a mesa e pegou o chaveiro do Pedro, que foi obrigado a deixar a palestra de lado por instantes e recuperar o objeto, o que gerou risos de parte da plateia e indignação da outra parte. Em momento nenhum o dirigente da reunião pública interveio. Idem os pais ou responsáveis pelo garoto. Ninguém se manifestou. Fico pasmo de ver a inércia e a covardia moral do povo espírita quando o assunto é enquadrar pais de crianças importunas.
Já me deparei com uma situação parecida quando fui fazer uma palestra num grande centro espírita. Salão extenso e praticamente lotado. Mal comecei a exposição, um garoto de aproximadamente cinco anos começou a correr em volta da plateia. Em seguida, pôs-se a engatinhar por debaixo das cadeiras, atrapalhando e muito as pessoas nelas sentadas. Como o dirigente da reunião pública não se manifestou, interrompi a palestra e chamei a atenção do petiz. Em segundos, a mãe apareceu e tirou-o do salão. Rápido e rasteiro para a palestra prosseguir na santa paz.
Uma experiência inusitada, mas bem-humorada
Luzia Mathias, médica e expositora carioca da qual sou fã, optou por uma saída bem humorada. Lá pelas tantas de um seminário brilhante, uma menininha, que estava no colo da mãe, começou a balbuciar. Naturalmente, como estava vendo alguém falando, quis ensaiar as primeiras sílabas, o que é muito bonitinho desde que ela não esteja em local inadequado. Como o glá-glá-glá da garotinha começou a interferir na palestra, Luzia interrompeu a exposição, virou-se para ela e disse: - Nós estamos competindo, mas eu vou ganhar de você. Eu tenho microfone! Foi uma gargalhada geral seguida de alguns aplausos. O suficiente para a mãe se mancar e sair com a filhinha do salão.
Faço teatro espírita há mais de 20 anos e já me deparei com a mesma situação em ocasiões artísticas. Confesso que sou tomado por uma extrema preocupação quando vejo gente com criança a tiracolo adentrar o recinto para assistir a alguma peça que não seja infantil. Meus receios já se confirmaram algumas vezes. Em um deles na metade final da peça, uma criança de colo começou a chorar intensamente. Buááááááááááá! Era uma noite fria de julho e, segundo minha mãe, que estava na plateia, a criança provavelmente abriu o berreiro porque estava com frio. O choro foi tão alto que, mesmo depois de a criança ter sido retirada do local, dava para ouvi-la perfeitamente berrando no saguão do centro espírita. Foi um choro de quem estava desesperado. Enquanto isso, os atores – que ensaiaram a peça semanas a fio para apresentar um trabalho de qualidade – foram afetados, parte da mensagem se perdeu, e o público, que havia pagado pelo ingresso, teve o lazer prejudicado. Se era uma noite fria de inverno, para que tirar uma criança do aconchego do lar para submetê-la à tortura de ficar num ambiente não adequado a ela?
Expor a criança a uma palestra é ruim até para ela
Levar crianças a reuniões públicas doutrinárias incorre no risco de sermos submetidos a outra onomatopeia: o chomp-chomp ou mastigação de biscoitos. No intuito de manter a criança quieta ou ocupada, os pais compram um saco de biscoitos e dão para ela comer durante a reunião pública. Vi o chomp-chomp em ação só uma vez em reunião pública doutrinária, felizmente. Só que o expositor era eu. É muito chato falar tendo como fundo musical alguém mastigando biscoito. E na primeira fila, ainda por cima.
Volto ao que José Raul Teixeira disse. Pensemos nas crianças, que serão submetidas a uma tensão desnecessária e tumultuarão um ambiente para o qual ainda não estão preparadas. Se não temos com quem deixá-las, fiquemos em casa com elas. Ou então, levemo-nas ao parque, à pracinha ou similar que tenha a ver com as expectativas delas. Expor as crianças a uma palestra ou evento artístico adulto é cansativo para elas. Além disso, acaba afetando a atenção da assistência e dos envolvidos na apresentação da atividade. Isso vale também para missas, cultos evangélicos, simpósios acadêmicos ou qualquer outro lugar inapropriado para crianças e para onde muitos pais ainda insistem em levá-las. Sei que muitos pais fazem isso porque querem participar do evento. Se a criança, todavia, resolver chorar, brincar ou equivalente, os pais a nada assistirão e o restante da assistência sentir-se-á incomodada. E com toda razão.
Vou aproveitar o assunto e estender a mesma recomendação ao pessoal da tosse. Já vi muita palestra, peça teatral e concerto de música clássica não renderem o esperado porque alguém na plateia tossia sem parar; e de boca aberta. Já vi até um caso em que uma moça tossiu por três reuniões públicas semanais seguidas. E com uma bocarra do tamanho de um bonde, ainda por cima. Cof-cof-cof! Será que ela não notou que estava incomodando? Será que não percebeu que deveria procurar orientação médica?
A tosse que não cessa e as conversas paralelas
Se a tosse é tão incontrolável assim, tomemos o remédio que nos foi prescrito e fiquemos em casa. Ou então, saiamos do recinto para não atrapalharmos o evento. Ou pelo menos coloquemos um lenço na boca, medida simples que diminui o ruído da tosse em dez decibéis, como li há um tempo num artigo científico. E dez decibéis a menos num recinto fechado fazem uma diferença enorme. Sei que o portador da tosse quer muito assistir à palestra ou peça teatral, mas as outras pessoas também querem e não conseguirão se não fizermos a parte que nos cabe.
Há também o ti-ti-ti, aquela conversinha paralela, em pleno evento, que acaba atrapalhando quem está à volta do papinho animado.
O centro espírita estava engalanado para uma ocasião especial: a palestra de um importante expositor que vinha de outro Estado encerrar um evento que havia durado dez dias. Recinto lotado. Entrada do salão pela frente. Faltavam uns dez minutos para o início quando uma senhora entrou no recinto. Creio que ela devia estar fora da cidade há um tempo, pois tão logo começou a caminhar pelo corredor central, vinda da porta da frente, para buscar um lugar, foi cumprimentada por outra senhora que estava sentada numa das primeiras filas. Abraçaram-se efusivamente. Em seguida, conversaram um pouco. Ela sempre em pé. Eu estava sentado um pouco mais atrás, no assento à beira do corredor central. Por isso, assisti a tudo de camarote. Sem problema algum quanto a isso. Só que esse não foi o primeiro cumprimento. Veio o segundo. E também o terceiro, o quarto, o quinto... Todos no mesmo compasso e seguido de um papinho cordial e ligeiramente longo. – Deve ser uma senhora muito querida –, pensei com os meus botões.
E o barulho causado por celulares e afins?
Só que chegou a hora da palestra. O dirigente deu boas-vindas e chamou alguém para a prece. E a efusiva senhorinha ainda no corredor central sendo abraçada por mais alguém e emendando com um papinho básico. Aí, o expositor de fora foi chamado à mesa, cumprimentou a todos, deu início à palestra e a mulher ainda no corredor central, de pé, fazendo o social. Ela demorou a sentar. Nesse ínterim, boa parte do que o expositor disse no início foi prejudicado por quem estava tendo a visão obliterada pela lépida senhorinha que, por fim, sentou-se. Eu fui um dos prejudicados. Ela ficou na frente de uma considerável parte da audiência. Competiu com o expositor por uns dez minutos, sem se dar conta.
Sei que é muito bom revermos companheiros de movimento espírita e cumprimentá-los com gosto. Mas num evento como o que citei, creio que o melhor a ser feito é buscarmos nossos assentos, cumprimentarmos de longe os que estiverem próximos e deixarmos manifestações de carinho mais explícitas para depois da palestra.
Não podia encerrar este texto sem falar dos sons causados por celulares e afins. Vou chamar tais barulhinhos de trim-trins, simbolizando todas as musiquinhas, assobios e similares que dão o ar da graça quando o celular toca. Já vi expositores, atores e professores chamando atenção da audiência. Já vi até um vídeo em que professores de diversos países espatifam tais aparelhos depois de tomá-los das mãos de alunos incautos. A tecnologia tem facilitado muito a comunicação ultimamente. Mesmo assim, lembremos: smartphones e congêneres devem ser desligados quando vamos assistir a palestras, peças teatrais, aulas, seminários etc.
Evitemos, portanto, os buás, glá-glá-glás, chomp-chomps, cof-cofs, ti-ti-tis e trim-trins. É onomatopeia demais atrapalhando o bom andamento das tarefas.

(1)
Onomatopeia: palavra cuja pronúncia imita o som natural da coisa significada (murmúrio, sussurro, cicio, chiado, mugir, pum, reco-reco, tique-taque).


 

 
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