terça-feira, 24 de novembro de 2015

A FÍSICA QUÂNTICA E O MATERIALISMO

ALEXANDRE FONTES DA FONSECA
a.f.fonseca@bol.com.br
Campinas, SP (Brasil)
 
 
Alexandre Fontes da Fonseca
A Física Quântica é uma das teorias mais bem-sucedidas da Ciência, ao mesmo tempo uma das menos compreendidas pelos cientistas. Graças a ela, a tecnologia atingiu patamares jamais imaginados antes da metade do século passado. Seus efeitos na sociedade e, em particular, na economia são marcantes, como o fato de 30% do PIB norte-americano decorrer de produtos oriundos de aplicações do conhecimento da teoria quântica1.
Mas o que, afinal, é a física quântica? Ela é, simplesmente, uma teoria da matéria. Ela foi desenvolvida para explicar e descrever, quantitativamente, o comportamento da matéria em escalas de tamanho micro e nanoscópicas. Uma excelente introdução à física quântica, escrita para o entendimento dos espíritas, pode ser encontrada no blog “Era do Espírito”2.
Mas, se é uma teoria da matéria, por que o movimento espírita tem demonstrado enorme interesse na física quântica?
Há duas razões principais para isso. A primeira decorre de diversas interpretações ‘estranhas’ dessa teoria, que lembram conceitos místicos. Como essas interpretações são bem diferentes da percepção que temos dos fenômenos cotidianos, elas fazem pensar que os fenômenos espíritas (também considerados diferentes da percepção que temos dos fenômenos cotidianos) devem ter relação direta com essas interpretações. Exemplos de interpretações ‘estranhas’ da física quântica: um objeto estar em mais de um lugar ao mesmo tempo; influência do observador nas medidas experimentais; uma partícula que pode se comportar como uma onda e vice-versa; a existência de universos paralelos; ligação não local etc. Essas interpretações são estranhas porque elas são tentativas de se entender o comportamento das partículas microscópicas com as mesmas noções de espaço, tempo e movimento que temos do mundo macroscópico, através dos nossos cinco sentidos.  
Nem sempre é correto ou científico forçar a
relação entre teorias distintas
 
A segunda razão para o interesse espírita na física quântica são as seguintes palavras de Kardec: “Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto”. (Item 55 do cap. I de A Gênese3.)
Como a física quântica é uma das teorias mais bem-sucedidas na Ciência, isso levou alguns companheiros, bem-intencionados diga-se de passagem, a pensar que: se o Espiritismo estiver em sintonia com a física quântica, então ele estará em sintonia com as ‘novas descobertas’ da Ciência. Mas o problema com essa linha de raciocínio é que nem tudo na natureza é descrito pela física quântica, nem tudo precisa estar em sintonia com ela para ‘caminhar de par com o progresso’, e o que costuma ser mais grave, nem sempre é correto e científico forçar a relação entre teorias distintas. 
Na tentativa, então, de ver o Espiritismo valorizado e em sintonia com a Ciência, alguns companheiros têm divulgado ‘extrapolações’ dos conceitos da teoria quântica para explicar ou descrever os conceitos e fenômenos espíritas. ‘Extrapolar’ uma teoria científica é utilizá-la para descrever fenômenos para os quais ela não foi originalmente desenvolvida, sem realizar experimentos metódicos que comprovem essa utilização. Como consequência, tem-se visto no meio espírita a utilização de termos como ‘Deus quântico’, ‘alma quântica’, ‘consciência quântica’, ‘reencarnação e física quântica’, ‘cura quântica’, ‘pensamento quântico’, ‘comprovação do Espiritismo pela física quântica’ etc.
A questão que pretendemos examinar aqui é se essas extrapolações não escondem uma armadilha para o conhecimento espírita. No discurso, essas extrapolações soam como confirmações da Ciência para conceitos espíritas. Mas, ao esmiuçar o significado dos conceitos da física quântica, o que eles representam e quais as suas bases e dependências, vemos que elas (as extrapolações) trazem mais problemas do que soluções. O principal problema é que essas extrapolações representam um apoio direto ao materialismo.  
A teoria quântica tem uma relação muito forte
de dependência com a matéria
 
No máximo, os conceitos da física quântica podem servir, um dia, para a descrição do comportamento e das propriedades dos fluidos espirituais. Mas não servem para definir ou caracterizar conceitos como Deus, a alma, o pensamento, a reencarnação e outros.
A explicação para isso é, na verdade, bem simples. É que a teoria quântica tem uma relação muito forte de dependência com a matéria. Ela só é aplicável a coisas materiais, como partículas ou ondas. Segundo a física quântica2, toda informação que podemos ter de um sistema material está contida na chamada ‘função de onda’, que é uma função matemática que contém os valores possíveis para todas as propriedades mensuráveis do sistema material. Segundo a física quântica, não existe ‘função de onda’ desassociada de um sistema material. Assim, se um conceito espírita depender de conceitos quânticos, então esse conceito espírita terá que estar associado a um sistema material. Isso não é problema quando se pensa apenas nos fluidos espirituais que, como ensinam os Espíritos na questão 27 d´O Livro dos Espíritos4 (LE) e itens de 2 a 6 do cap. XIV de A Gênese3, são modificações e transformações do fluido universal, que é o princípio material. Mas os conceitos quânticos não podem ser diretamente ligados a conceitos como Deus, a alma, a inteligência, ou com fenômenos e processos como reencarnação e mediunidade, exceto na contraparte fluídica dos mesmos.
Quais os prejuízos para o movimento espírita de se agregar conceitos que envolvam a relação entre física quântica e Espiritismo? Primeiro, temos a questão da fé inabalável: “Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade” (Kardec, item 7 do cap. XIX d´O Evangelho segundo o Espiritismo5 (ESE)). Como encarar a razão dos que conhecem a fundo a física quântica e sabem que ela não se aplica a conceitos espiritualistas?
Seria a reencarnação, como querem alguns,
explicada pela física quântica?
 
Todo conceito espírita tem que estar embasado na mais pura e cristalina verdade científica e filosófica para poder encarar a razão da Ciência, dos críticos, dos céticos e de todos os que, por interesses quaisquer, combatem a mensagem de amor e caridade da terceira revelação. Todo conceito espírita precisa ter bases sólidas na razão e no bom senso para que a divulgação do Espiritismo se faça clara e simples para todos que o buscam. Isso é condição absolutamente necessária para uma das maiores caridades que se pode fazer no meio espírita, segundo Emmanuel:6a maior caridade que podemos fazer pela Doutrina Espírita é a sua própria divulgação”.
Outro problema é a falta de coerência com os princípios espíritas, o que pode dar margem a uma preocupação antiga de Kardec quando falou dos espíritas exaltados (O Livro dos Médiuns,  cap. III, item 28):7O pior é que, sem o quererem, dão armas aos incrédulos, que antes buscam ocasião de zombar, do que se convencerem e que não deixam de imputar a todos o ridículo de alguns”. (Grifos em negrito, meus.) Segundo Kardec, um espírita exaltado é aquele que “Em Espiritismo, infunde confiança demasiado cega e frequentemente pueril, no tocante ao mundo invisível, e leva a aceitar-se, com extrema facilidade e sem verificação, aquilo cujo absurdo, ou impossibilidade a reflexão e o exame demonstrariam”. (Grifos em negrito, meus.) No caso, a exaltação ocorre na utilização apressada e sem demonstração da física quântica na descrição de conceitos espíritas.
Vejamos um exemplo de ‘absurdo’ ou ‘impossibilidade’ que decorre de se interpretar o conceito de alma como sendo uma ‘função de onda’:
Conhecido estudioso da física quântica e suas relações com conceitos hinduístas propôs que, ao considerar a alma como uma ‘função de onda’, a reencarnação seria explicada pela física quântica.
O Espiritismo é uma doutrina muito bem embasada
nos fatos e fenômenos
 
O problema é que, segundo esse mesmo estudioso, se a alma for uma ‘função de onda’, no intervalo entre uma encarnação e outra não pode haver vida consciente no mundo espiritual. Para se ter uma ideia das consequências disso, basta dizer que obras como Nosso Lar, de André Luiz, e outras não deveriam existir porque a alma como uma ‘função de onda’, na erraticidade, permaneceria num estado inconsciente até renascer num novo corpo8. Ou seja, apoiar essa teoria ‘quântica’ da alma é contradizer o que ensina o Espiritismo! Admitir isso é fornecer munição para os adversários do Espiritismo dizerem que os espíritas não têm conhecimento de sua própria doutrina.
Temos publicado outros exemplos de análise de teses e teorias espiritualistas que, embora fraternas e bem-intencionadas, utilizam conceitos da física de modo superficial e equivocado para propor práticas incondizentes com a Doutrina Espírita.9,10
O Espiritismo é uma doutrina muito bem embasada nos fatos e fenômenos; muito bem analisada e discutida em termos filosóficos; e muito bem clara nas consequências de natureza moral de profundo alcance religioso. Simples nos seus propósitos de regeneração da humanidade através da regeneração de cada um de nós, a Doutrina Espírita é a única doutrina conhecida na humanidade que tem um duplo caráter de uma revelação: o caráter divino e o científico (Kardec, item 13 do cap. I de A Gênese3). É importante, portanto, valorizar o Espiritismo na forma como foi revelado pelos bons Espíritos, não por fé cega ou fanatismo, mas para podermos estudá-lo, compreendê-lo e, acima de tudo, trabalhá-lo no seu progresso com conhecimento de causa, sem os riscos dos sofismas da razão, e para desenvolvê-lo dentro dos parâmetros de qualidade e seriedade que o tornarão cada vez mais conhecido, respeitado e, sobretudo, aproveitado por todos. 
 
Referências: 
[1] Fernanda Vilela, reportagem: “Mas, afinal, o que é física quântica?”, site Agência Ciência Web, link: https://agenciacienciaweb.wordpress.com/2012/10/18/mas-afinal-o-que-e-fisica-quantica/ (Acessado em 11 de Outubro de 2015.)
[3] A. Kardec, A Gênese, Editora FEB, 36ª Edição, Rio de Janeiro (1995).
[4] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76ª Edição, Rio de Janeiro (1995).
[5] A. Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112ª Edição, Rio de Janeiro (1996).
[6] F. C. Xavier e W. Vieira, Estude e Viva, pelos Espíritos Emanuel e André Luiz, Editora FEB, 11ª Edição, Rio de Janeiro (2005).
[7] A. Kardec, O Livro dos Médiuns. Editora FEB, 96ª edição, Rio de Janeiro (1996).
[8] A. F. da Fonseca, “A obra ‘A Física da Alma’ e o Espiritismo”, O Consolador 188,  (2010). Link: http://www.oconsolador.com.br/ano4/188/especial.html (Acessado em 12 de Outubro de 2015.) 
[9] A. F. da Fonseca, “Apometria: nem Ciência, nem Espiritismo”, Reformador 2.224, p. 403 (2014).
[10] A. F. da Fonseca, “A Transmissão do Pensamento é um Fenômeno Não-Local?”, Jornal de Estudos Espíritas 2, art. n. 010302 (2014). Acesso através do link: https://sites.google.com/site/jeespiritas/volumes/volume-2---2014/resumo---art-n-010302 (Acessado em 14 de Outubro de 2015.)

 

 
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