domingo, 16 de junho de 2019

BRASILEIROS NÃO QUEREM ESTADO MÍNIMO”, DIZ CIENTISTA POLÍTICO


Fonte: Agência de jornalismo investigativo 
Para Rafael Georges, da Oxfam Brasil, agenda liberal “pegou carona” na eleição de Bolsonaro, mas não prospera entre os brasileiros, como demonstra a resistência da população à reforma da previdência

10 de abril de 2019
Anna Beatriz Anjos
Mais de 80% dos brasileiros consideram que é obrigação do Estado diminuir as diferenças entre os muito ricos e os muito pobres; 75% concordam que as escolas públicas de ensino fundamental e médio são direito de todos; e 73% defendem o atendimento universal em postos e hospitais. Esses dados mostram que, no Brasil, a população ainda espera muito do Estado e, por isso, o receituário liberal que prega a diminuição de seu tamanho e influência na economia não encontra apoio maciço social por aqui.

Essa é a avaliação do cientista político Rafael Georges, coordenador de projetos da Oxfam Brasil, que apresentou ontem a pesquisa desenvolvida em parceria com o Instituto Datafolha sobre a percepção dos brasileiros em relação às desigualdades. O estudo, que está em sua segunda edição – a primeira foi divulgada em 2017 –, também revela que 86% dos entrevistados acreditam que o país não avançará se não for atenuada a distância entre a base e o topo da pirâmide social.

Em entrevista à Pública, Georges diz que a resistência à reforma da Previdência é um “termômetro muito claro” de como a agenda econômica liberal “não prospera no Brasil” e destaca que ela faz sentido apenas para “quem está muito confortável hoje e vive nos seus apartamentos no centro expandido”. “Para quem depende de serviços públicos para poder manter um orçamento balanceado ou minimamente digno, isso não é um projeto”, analisa.

Léu Britto/DiCampana Foto Coletivo
Rafael Georges é cientista político e coordenador de projetos da Oxfam Brasil
Segundo o estudo, a grande maioria da população entende que o Estado deve assegurar acesso a serviços públicos, como saúde e educação, e que tem a obrigação de diminuir a desigualdade social. Em sua avaliação, a agenda de defesa do Estado mínimo, representada pela equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro, tem começado a prosperar de fato entre a população ou só encontra eco entre as elites?

Ela não está prosperando, essa é a verdade. Essa agenda do Estado mínimo não começou agora, veio já com o fim do governo Dilma e com o governo Temer. A única medida de fôlego que reduz o papel do Estado aprovada até agora foi o teto de gastos, e ela foi aprovada na esteira do impeachment. Não tinha espaço público para a atual oposição [antiga base do governo Dilma] se organizar e fazer a defesa do Estado. Existia uma crise fiscal gigantesca e os parlamentares estavam dispostos a passar essa medida que não teria impacto imediato, e sim de longo prazo, na estabilização de contas. Então, se justificou num contexto muito específico, mas não é uma plataforma que passaria nas eleições. O que aconteceu é que as últimas eleições não foram sobre o tamanho e o papel do Estado, foram sobre valores, corrupção, sobre um partido em particular – ame-o ou odeie-o. Em uma sociedade super polarizada, essa discussão acabou deixando de lado uma outra [discussão] muito prática sobre política fiscal. Quando Michel Temer tentava aprovar a reforma da Previdência, tinha problemas no Congresso, porque os parlamentares estão muito mais próximos das suas bases e têm muito mais chances de perderem politicamente do que alguém do Poder Executivo – ainda mais alguém que não tinha muito a perder porque não havia sido eleito. Esse presidente de agora, que foi eleito, trouxe consigo uma equipe que tenta manter esse tipo de agenda, mas ele já entendeu que não vai conseguir passar as medidas que deseja, porque o Parlamento, mais sensível politicamente, não topa adotar medidas muito radicais. O Parlamento sabe que o Brasil tem um sistema eleitoral muito competitivo, que a Câmara sempre teve muita renovação – muito maior do que a dos Estados Unidos, país parecido em termos de sistema político –, e essa grande renovação faz com que os parlamentares queiram posições muito próximas às suas bases, para, numa próxima eleição, não serem acusados pelo rival de ter votado contra os interesses de quem representam. Essa resistência à reforma da Previdência é um termômetro muito claro de como essa agenda não prospera no Brasil. Mesmo que consigamos fazer reformas liberais muito radicais, a tendência é que isso gere um impacto político gigantesco – e aí haja uma espécie de retorno muito forte da população, que quer serviços públicos – ou elas, na hora H, não serão aprovadas a contento e vão ser muito desidratadas. Essa resposta toda para dizer que não, essa agenda não está prosperando, ela encontra muita dificuldade.

A pesquisa reforça o fato de que o brasileiro espera cada vez mais investimentos do Estado na sociedade para que a desigualdade seja atenuada. Qual a raiz dessa dessa percepção?

Existe no Brasil bastante realismo: as pessoas que vivem nas periferias sabem que, por mais que se esforcem, é muito difícil superar barreiras tão gigantescas para a mobilidade social, e isso faz com que sintam a necessidade do apoio do Estado, porque se não há apoio estatal, não sobrevivem, não têm vida digna. Essa visão liberal que muitos têm no Brasil é uma visão de futuro, para quem está muito confortável hoje, para quem vive nos seus apartamentos no centro expandido – “quero um Brasil dinâmico, competitivo, e aí o Estado tem que sair do cangote”. Mas para quem depende de serviços públicos para poder manter um orçamento balanceado ou minimamente digno, isso não é um projeto, aliás, isso é o antiprojeto. Acho que esse é o debate. É muito muito acadêmico, muito dogmático. Quando entra uma turma muito dogmática no governo, não consegue enxergar como é o mundo real, então um pouquinho de pragmatismo não cairia mal.

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ap

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