quarta-feira, 11 de junho de 2014

FILOSOFIA, POESIA E AMOR

Coluna "Lanterna na Proa"

Filosofia, Poesia e Amor

André Gonçalves Fernandes
Todo homem tem a capacidade de perguntar a si mesmo acerca das razões de nossa existência e do sentido último desse mundo em que vivemos. É apto a filosofar. Para tanto, é necessário um conjunto de atitudes básicas para que essa dimensão reflexiva possa se desenvolver ao longo da vida. Do contrário, outros fatores externos podem corrompê-la.
A primeira daquelas atitudes está num certo desprendimento do mundo do cotidiano, porque refletir é um ato que, necessariamente, deve transcendê-lo, já que se buscam as respostas últimas para as perguntas vitais que a consciência nos apresenta. Do contrário, a liberdade de pensamento fica sujeita aos interesses imediatos.
Esse mundo é regido pelo aqui e agora, pela eficiência, pela lógica instrumental, expressões muito comuns nos campos da política e da economia. Essa atitude de certo distanciamento ajuda a ver os problemas, mas mirando-os numa outra direção.
Por outro lado, apartar-se espiritualmente do mundo do cotidiano não é uma uma atitude de alienação sem sentido. Nesse sentido, filosofar é como poetizar, pois o poeta vê o cotidiano, supera-o e, quando resolve escrever, não sem antes molhar sua pena na tinta dos suspiros do amor (e mesmo da dor), de certa forma, transcende-o.
No caso de dúvida, façamos um releitura das obras de Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra (...) do que sonha nossa vã filosofia”. Ou de Fernando Pessoa, que sempre nos recorda que: “ Temos todos que vivemos/ uma vida que é vivida e uma vida que é pensada/ e a única vida que temos/ é esta que é dividida/ entre a verdadeira e a errada/ Qual porém é verdadeira/ E qual errada, ninguém/ nos saberá explicar/ E vivemos de maneira/ Que a vida que a gente tem/ É a que tem que pensar...". Ou de Drummond, que sintetizou essa evidência numa sentença lapidar: ”Cansei de ser moderno. Agora, quero ser eterno”.
Nessa linha, o amor também transcende o amante. Seu amor o impulsiona a deixar para trás toda espécie de cálculo utilitário, qualquer comprometimento, além do necessário, com o mundo material e, como vemos na história dos santos e dos grandes homens ainda pode provocar verdadeiras revoluções nos corações das pessoas com seu exemplo.
Assim, o filósofo, o poeta e o amante agem de maneira semelhante. Entende-se porque Platão fala do “eros filosófico”: porque a filosofia tira o homem do “mundo sublunar” e o conduz ao firmamento. Mas não é necessário ir às estrelas para filosofar. O “mundo subterrâneo” também contribui nesse sentido. A morte é um bom exemplo. Na minha infância, sempre foi uma pintura presente e, talvez, por isso, goste muito da cor preta.
Costumo dizer que não nasci, mas fui salvo, porque o cordão umbilical já me asfixiava quando deixei o ventre materno. Aos dez anos, tive um tumor nas amígdalas e sempre sinto a falta delas no inverno. Quando perdi meu avô aos 12 anos, foi a gota d’água: tive, certamente, sem sabê-lo, meu primeiro ato filosófico, o de compreender o sentido da morte.
Mas a filosofia, a arte e o amor, mesmo se opondo ao utilitarismo do mundo do cotidiano, correm o risco de serem instrumentalizados para outros fins. A filosofia transforma-se em ideologia, a arte descamba para o desastre e o amor reduz-se ao sexo.
Meus filhos mais velhos criticam-me quando dizem que filosofar não serve para nada. Se não serve para nada, logo, é inútil, isto é, sem uma utilidade. E eles têm razão em certo sentido: não pode e não deve servir para nada, senão vira um pensar utilitarista. Talvez esse tenha sido o sentido da afirmação de Heidegger: "É completamente correto e assim deve ser: a filosofia é inútil”. Se alguma utilidade houver, que seja para compreender o homem e o mundo.
Quando uma pessoa transcende, ela nega a “exigência totalitária” do mundo do cotidiano: ela diz que sua realidade material é importante, mas tem um limite claro, não absorve completamente suas faculdades e nem dá todas as respostas aos anseios de seu coração.
A transcendência é um despertar humano. Nisto sempre estiveram de acordo os filósofos, os poetas e os amantes. E a eles sempre me junto em espírito semanalmente, deixando de lado, momentaneamente, o mundo do cotidiano. Hoje, especialmente, no dia dos namorados, dedicando essa prosa à minha eterna namorada, amor sem fim/ cujo querer por mim/ incondicional assim/ é um diário “sim”. Com respeito à divergência, é o que filosofo, poetizo e amo.

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André Gonçalves Fernandes é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito titular de entrância final. Pesquisador do grupo Paideia, na linha de ética, política e educação (FE/UNICAMP) e professor do CEU-IICS Escola de Direito. Coordenador do IFE Campinas. Articulista da Escola Paulista da Magistratura, da qual é também Juiz Instrutor, e do Correio Popular de Campinas, com especialidade na área de Filosofia do Direito, Deontologia Jurídica, Estado e Sociedade. Experiência profissional na área de Direito, com especialidade em Direito Civil, Direito de Família, Direito Constitucional, Deontologia Jurídica, Filosofia do Direito e Hermenêutica Jurídica. Membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP, da Escola do Pensamento do IFE ( www.ife.org.br ), do Comitê Científico do CCFT Working Group (Diálogos entre Cultura, Ciência, Filosofia e Teologia), da União dos Juristas Católicos de São Paulo e da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas. Autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas.
Publicado no Portal da Família em 18/05/2014
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