sábado, 16 de janeiro de 2016

COMO NASCEU O DIABO - POR ROGÉRIO COELHO rcoelho47@yahoo.com.br Murlaé, MG (Brasil)

ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)
 
 
Rogério Coelho
Como nasceu
o Diabo
É evidente que os santos de hoje são os sucedâneos dos antigos ídolos pagãos
Parte 2 e final
Segundo Carlos Roberto Nogueira, a concentração do mal em uma personagem só fica visível no Novo Testamento. Aí satã (substantivo) passa a ser Satã (nome próprio). De um adversário (com “a” minúsculo) vira Adversário (com “A” maiúsculo).  O modelo do inimigo de Jesus, aquele que coloca Sua bondade à prova, está composto.
Gregos. Com a unificação religiosa realizada por Roma no século 4 d.C., o Cristianismo, de seita perseguida (lembremos que Paulo de Tarso até ter sua visão divina no deserto sírio era um soldado romano que caçava cristãos), passa a perseguir: transforma-se no culto oficial e obrigatório de todo Império. Pleno de correntes divergentes em seu começo, ganha cada vez mais o aspecto fechado e generalista do catolicismo (católico = universal). Pagão passa a ser todo o passado e o presente alheio ao Império Romano.
Com o crescente poderio latino cristão, temos um caso à parte: a tentativa de extermínio de toda a tradição cultural grega. Algumas manifestações são facilmente visíveis, como os oráculos destruídos e os narizes e braços quebrados das esculturas gregas, tal como o fizeram hodiernamente os líderes religiosos do Afeganistão, destruindo as enormes estátuas representativas do Budismo. Quaisquer formas de cultos paralelos ligados à fecundidade e à Natureza, como as festas rurais sagradas da primavera, passam a ser terminantemente proibidos. Só que a interdição muitas vezes era sem sucesso. Por não conseguir coibir essas práticas da forma como gostaria, o cristianismo usa as armas do inimigo.  Mantém o Deus único lá em cima, mas produz uma multiplicidade em um nível mais baixo: os santos.
É evidente que os santos de hoje são os sucedâneos dos antigos ídolos pagãos, uma vez que a Igreja não conseguiu erradicar a idolatria.  É a velha história: se não se pode com o inimigo, melhor unir-se a ele.   Nem mesmo as antigas festas rurais deixaram de acontecer: foram substituídas pelas festas urbanas que sobreviveram até hoje. Basta ver o que acontece ao redor das Igrejas católicas nos meses de maio e junho. 
DEMONOLOGIA 
Então, na verdade, o que temos hoje em dia não difere do que os pagãos tinham a seu tempo. Era de fato necessário o advento do “Consolador prometido” para colocar ordem na Casa Planetária que nos acolhe.
Apesar do destaque crescente que o demônio vai ganhando dentro do Cristianismo, até aí a vitória de Deus sobre o Diabo é considerada incontestável.  Este último existe no mundo para ser superado e dar mais glória ao poder absoluto celestial. O quadro só muda em um momento histórico bem posterior com outro grande teórico da religião cristã: São Tomás de Aquino.
Estamos no século XIII e a Igreja Católica vive o apogeu de seu domínio territorial, político e econômico. Para se manter assim, precisa demonstrar seu poder com cada vez mais visibilidade, poderíamos mesmo dizer: com atrevida e violenta ostensividade. Nesse contexto, e nessa imperiosa necessidade de a Igreja sustentar seu domínio escravocrata, São Tomás de Aquino potencializa a figura do Diabo em uma ordem tal que, a partir das simbologias do folclore popular, inventa uma ciência para combatê-lo: a demonologia. Nesse festival de ignorância os católicos ainda conseguem ser superados pelos ditos Evangélicos (protestantes) onde a “mise-en-scène” dos pastores raia pela violência na tentativa de expulsar o dito cujo do corpo das apavoradas ovelhas de seus dóceis rebanhos de raciocínio frusto e ancilosado.
Assim, passam a existir regras bem definidas para identificação do personagem do mal, que só poderia ser derrotado com a imprescindível ajuda da fé cristã.  Assim o Diabo ganha contornos físicos mais precisos, inclusive com a ajuda de grandes pintores que trabalhavam para a Igreja com exclusividade, não economizando os recursos para colorir com as cores fortes da ignorância os painéis infernais destinados a apavorar. 
BODE EXPIATÓRIO 
“O hibridismo homem/animal” – continua esclarecendo Laterce1–, “forma dos antigos povos orientais representarem o sobrenatural, vai ser a base para compor uma figura essencialmente deformada. Uma presença recorrente são as patas de bode, que era o animal escolhido por muitas culturas pré-cristãs para rituais de sacrifício e louvor aos deuses (daí a expressão bode expiatório).
Além disso, um deus grego particularmente ameaçador para os dogmas do Cristianismo era Dionísio, patrono da dança, da música, do teatro e da embriaguez; ou seja, o desregramento próprio da efervescência caótica da criação artística.  E qual é a característica mais marcante na aparência de Dionísio?  Suas patas de bode. A presença desses membros inferiores no imaginário popular ajudaria a colocar, de uma só vez, a tradição religiosa grega e oriental em uma íntima conexão com as forças malignas.  Dessa forma o Diabo vira uma obsessão onipresente e vai deixando de ser um indivíduo para se caracterizar como um grupo de combatentes (legião de demônios) e, portanto, qualquer um em qualquer lugar pode estar “possuído”, e consequentemente necessitado da ajuda exorcista da Igreja.
As perseguições da “Santa” Inquisição atingem a todos aqueles que divergem do padrão pré-determinado de cristão, e que no parecer das atentas autoridades eclesiásticas tinham parte com o demo.   Qualquer rebento filosófico que começasse a florescer e despontar acima do rígido contexto dogmático imposto era presto e impiedosamente ceifado. As acusações que via de regra levavam o condenado à morte, constituíam-se nos mais absurdos, banais e arbitrários libelos: uma família foi condenada à fogueira por trocar a roupa de cama numa sexta-feira; ruivos têm na cor dos cabelos um sinal da relação com o fogo dos infernos e deficientes físicos constituem, por analogia, deformados espirituais e esquecidos de Deus, portanto, fogueira neles!... 
PRÍNCIPE DAS TREVAS 
No século XIV, um movimento “incensado” pela Igreja para aumentar o seu poderio em direção ao Oriente, as Cruzadas (o desenho da suástica nazista é constituído por duas cruzes superpostas, isto é: “cruzadas” – Coincidência?!...), tinha como lema o conceito de Guerra Santa contra o paganismo e como objeto a expulsão dos árabes da região onde nasceu e viveu Jesus.  A composição física do Diabo ganha novos itens: barbicha e tom de pele escuro, característica dos mouros. E assim, nutrido pela placenta da ignorância e dos inconfessáveis interesses subalternos, o Diabo vai sendo adereçado até atingir seu “status quo” atual.
O modelo monárquico absolutista da Idade Média ajuda a compor a ideia do líder de todo o exército demoníaco: Satã é agora o Príncipe das Trevas, o reverso do Cristo, o Anticristo, que um dia reinaria sobre a Terra. Mas havia ainda mais um motivo importantíssimo, desta vez econômico, que navegava nas correntes subterrâneas desse realce das forças demoníacas: a lucrativa venda das indulgências! 
Expliquemos: o Apocalipse bíblico parecia estar se concretizando em virtude da instalação das guerras e do surgimento da peste.  E com os painéis infernais sendo pintados do alto dos púlpitos com as tintas fortes do terror, estava aí criada a dependência necessária da qual a Igreja se utilizou fartamente para obter lucro: passagens garantidas para o Céu podiam ser compradas a partir da venda das indulgências a peso de ouro para os nobres. Aí temos o Diabo nomeado ministro da economia da Igreja. Sem ele, não haveria terrorismo e ninguém se interessaria pelo precioso “passaporte”.
Porém, como não há situação que dure para sempre, a partir do século XVI, com o avanço da ciência moderna e os novos conceitos filosóficos humanistas, temos um decréscimo da importância da religião na vida cotidiana.  Com isso, o Diabo também perdeu espaço...
Hoje, apesar de nosso mundo cada vez mais racionalista e dessacralizado, ele está presente em rituais de algumas correntes protestantes, em cultos satânicos e no mundo da ficção em um número razoável de filmes de qualidade duvidosa, entre os quais se salvam “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polanski, e “O Exorcista”, de William Friendkin”. 
DESTINO DA HUMANIDADE 
Finaliza Laterce com sabedoria filosófica: “a leitura do Diabo no imaginário cristão leva a pensar que a nossa vontade sempre foi transportar o Mal para um mundo distante de nós, transcendente, só que cada vez mais temos evidências de que ele é mesmo da ordem humana”.
Na conclusão de “O Livro dos Espíritos”, Paulo de Tarso deixou a seguinte carta para todos nós, cristãos da atualidade: “gravitar para a unidade divina, eis o destino da humanidade. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a Justiça, o Amor e a Ciência. Três coisas lhe são opostas e contrárias: a ignorância, o ódio e a injustiça. Pois bem! Digo-vos, em verdade, que mentis a estes princípios fundamentais, comprometendo a ideia de Deus, com O lhe exagerardes a severidade. Duplamente a comprometeis, deixando que no Espírito da criatura penetre a suposição de que há nela mais clemência, mais virtude, amor e verdadeira justiça, do que atribuís ao Ser Infinito. Há que se destruir a ideia do inferno, tornando-o ridículo e inadmissível às vossas crenças, como o é aos vossos corações o horrendo espetáculo das execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média. 
Crede-me: ou vos resignais a deixar que pereçam nas vossas mãos todos os vossos dogmas, de preferência a que se modifiquem, ou, então, vivificai-os, abrindo-os aos benfazejos eflúvios que os Bons, neste momento, derramam neles.  
A ideia do inferno, com as suas fornalhas ardentes, com as suas caldeiras a ferver, pôde ser tolerada, isto é, perdoável numa época de ferro; porém, neste século das luzes, não passa de vão fantasma, próprio, quando muito, para amedrontar criancinhas e em que estas, crescendo um pouco, logo deixam de crer. Se persistirdes nessa mitologia aterradora, engendrareis a incredulidade, mãe de toda a desorganização social. Tremo, entrevendo toda uma ordem social abalada e a ruir sobre os seus fundamentos, por falta de sanção penal.  
CASTIGO, O QUE É? 
Homens de fé ardente e viva, vanguardeiros do dia da luz, mãos à obra, não para manter fábulas que envelheceram e se desacreditaram, mas para reavivar, revivificar a verdadeira sanção penal, sob formas condizentes com os vossos costumes, os vossos sentimentos e as luzes da vossa época...
Que é o castigo?!  A consequência natural, derivada do desvio da Lei Divina; certa soma de dores necessárias a desgostar o homem da sua deformidade, pela experimentação do sofrimento; o aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de salvação.  O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção... Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser.
“Oh! Em verdade vos digo, cessai, cessai de pôr em paralelo, na sua eternidade, o Bem, essência do Criador, com o Mal, essência da criatura.  Fora criar uma penalidade injustificável.  Afirmai, ao contrário, o abrandamento gradual dos castigos e das penas pelas transgressões e consagrareis a unidade divina, tendo unidos o sentimento e a razão”.
Criado com fins lucrativos e para atender à ânsia de dominação de uma casta parasita, o Diabo foi morto e sepultado pelo conhecimento espírita que nos informa de maneira límpida e cristalina não ser crível que nosso Pai Celestial, o Deus de Amor e Bondade, possa criar um ser eternamente votado ao mal, afirmando, por outro lado, que todos os Espíritos são criados simples e ignorantes, sendo os maus simplesmente Espíritos de evolução ainda incipiente, mas, suscetíveis de se alcandorarem aos mais altos postos da hierarquia espiritual no decorrer do infinito dos tempos. 
[1] - Sávio Laterce é mestrando em Filosofia pela IFCS-UFRJ.

 

 
















 

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