sábado, 27 de dezembro de 2014

FRANCISCA JÚLIA DA SILVA, UMA POETISA NOTÁVEL


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Eu, se fosse apresentar um comunicado sobre a literatura feminina em qualquer universidade, falaria sobre Francisca Júlia da Silva, não por ela ter o primeiro nome  Francisca e o sobrenome da Silva. Não, ela não é a decantada Chica da Silva[1], na voz de Jorge Ben Jor e outros cantores, mas a esposa do Filadelfo Edmundo Munster, modesto telegrafista.
E isto é o que é incrível: Francisca afastou-se do meio social literário para se dedicar quase totalmente ao marido e ao lar, embora ela fosse genial poetisa parnasiana com acentuados traços simbolistas.
Mais conhecida como Francisca Júlia, essa grande escritora foi apelidada "Musa impassível" após ter escrito o seguinte soneto, publicado no livro Mármores, em 1895:

Musa Impassível[2]

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

Não sabia ela que estava escrevendo sobre si mesma, mas o contrário do que viveria quinze anos mais tarde. Sim, pois muitas vezes o que se escreve é o avesso do que se sente. Se o aspecto de seus poemas foi formal e tido como impessoal, do Parnasianismo alheio ao lirismo centrado no eu, o fundo foi simbólico e genialmente explorado por essa poetisa segundo João Ribeiro. Louvada em sua época pelos mais destacados poetas e críticos, sua vida sentimental era outra. Apaixonada pelo marido, resolvera dedicar todo o restante de sua última existência terrena especialmente a ele.
Casou-se com Filadelfo em 1909, na capela de Lajeado, em São Paulo, capital, e teve como padrinho nada menos do que Vicente de Carvalho. Nesse dia, foi convidada a participar como fundadora e membro da Academia Paulista de Letras de São Paulo, mas amavelmente recusou o convite, por preferir viver para o lar, embora não alheia às letras e aos movimentos literários de seu tempo.
Em 31 de outubro de 1920, quinze anos após Francisca Júlia escrever o poema que lhe deu o epíteto de Musa Impassível, publicado no livro Mármores, o marido de Francisca Júlia morreu tuberculoso. No dia seguinte, ela foi encontrada morta, em seu lar, após ingerir grande dose de narcóticos. Aos amigos, dissera, diante do esquife de Filadelfo e antes do gesto extremo: "— Jamais porei o véu de viúva". Leia, leitora, os dois primeiros versos do soneto que a consagrou em 1995:
"Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!"
Se o luto jamais tornou feio o semblante da musa, o mesmo não se pode dizer do gesto doloroso que a fez suicidar-se no dia seguinte à morte do marido idolatrado. Entretanto, a vida não começa no berço e nem termina no túmulo. Eis que ela é eterna e, sendo assim, imprimimos em nosso corpo espiritual, denominado por Allan Kardec perispírito, as marcas produzidas pelo uso do nosso livre-arbítrio.
Trinta e cinco anos após o gesto de desespero, no dia 13 de outubro de 1955, pela mediunidade psicofônica de Chico Xavier[3], o Espírito Francisca Júlia da Silva transmitiu-nos o soneto que reproduzimos abaixo:
                            
Lutai!

Por mais vos fira o sonho, a rajada violenta
Do temporal de fel que enlouquece e vergasta,
Suportai, com denodo, a fúria iconoclasta
E o granizo cruel da lúrida tormenta.

Carreia a dor consigo a beleza opulenta
Da verdade suprema, eternamente casta;
Recebei-lhe o aguilhão que nos lacera e arrasta,
Ouvindo a voz da fé que vos guarda e apascenta.

De alma erguida ao Senhor varai a sombra fria!...
Por mais horrenda noite, há sempre um novo dia,
Ao calor da esperança — a luz que nos enleva...

A aflição sem revolta é paz que nos redime.
Não olvides na cruz redentora e sublime
Que a fuga para a morte é um salto para a treva.

Passados outros sete anos, em 1962, o médium Waldo Vieira[4] psicografou o último soneto do Espírito Francisca Júlia, intitulado

Adeus

Na agonia da luz o astro-rei purpurina...
Leves tarjas de noite a manchar o horizonte...
Uma estrela a piscar remove a névoa fina
E espelha-se, feliz, no regato defronte...

Soluça um pombo além e se alteia e se inclina
E voa sem que o Sol novo rumo lhe aponte...
Humilde rola chora a gemer na campina,
Alheia ao prado em flor e à carícia da fonte...

Chega a sombra afinal... Aparece a tristeza
No arrulho que ficou por gemidos em bando,
Quais cordas a estalar numa lira retesa...

Assim, num dia assim, a morrer sem alarde,
Chorando eu disse adeus e ele partiu chorando,
A renascer na Terra onde estarei mais tarde....

Atualmente, amiga leitora e curioso leitor, Francisca Júlia da Silva pode estar entre vós. É uma triste jovem à procura de um rapaz melancólico, seu inesquecível Filadelfo, que a antecedeu no renascimento. Poder-se-ão encontrar um dia? Não o sabemos. E se o soubéssemos não o poderíamos dizer. Faz parte de suas provas procurarem-se eternidade afora, uma vez que a paixão doentia os consumiu em sua última existência na Terra. Qual será a sua arte? Do palco? Da música? Do lar? Só Deus o sabe...
Termino com a seguinte frase e uma reflexão: What we consider to be art today may be very diferente from what our ancestors considered to be art.
O que o Espírito procura demonstrar a você, leitor e leitora incrédulos, é que mesmo já não desenvolvendo os temas profanos de antes, seu estilo continua o mesmo, apenas mais espiritualizado, pois não somente a arte é seu fim, mas também a arte como demonstração da imortalidade da alma e das consequências, para todos nós, do bom ou mau uso do nosso livre-arbítrio aí e aqui.
Talvez a outrora festejada poetisa esteja, agora, empenhada em divulgar a arte espiritual que, segundo Allan Kardec, quando for devidamente explorada suplantará em muito o que se considera arte no mundo atual. Se é que essa arte também não já esteja na Terra.

Visite, quando puder: www.jojorgeleite.blogspot.com
  



[1] Chica da Silva (1732- 1796) foi uma escrava que, no séc. XVIII, viveu no Brasil e foi alforriada por um rico "contratador de diamantes", João Fernandes de Oliveira, com quem teve 13 filhos. Era aceita, nos meios sociais da época, com o raro respeito dedicado às mulheres brancas. Doou parte dos seus bens às irmandades religiosas do Carmo e de São Francisco de Assis, exclusivas de brancos, e das Mercês e do Rosário, dedicadas aos negros. Foi sepultada na irmandade dedicada aos brancos, São Francisco de Assis, considerada a mais importante da época. Essa também extraordinária mulher, negra, foi imortalizada na música de Jorge Ben Jor, que resume sua vida e pode ser ouvida acessando-se o link http://letras.mus.br/jorge-ben-jor/86373/. 

[2] SILVA, Francisca Júlia da. Mármores. São Paulo: Editor Horácio Belfort Sabino, 1895. Edição esgotada. Disponível em: < www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01681300>. Acesso em 11/12/2014.

[3] XAVIER, Francisco Cândido. Vozes do grande além. Org. Arnaldo Rocha. Rio de Janeiro: FEB, 2003, p. 80- 81.

[4] XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Antologia dos imortais. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Parte II (Médium Waldo Vieira), p. 185- 186.


sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O amor cobre, sem dúvida, a multidão dos pecados



Continuamos a publicar o roteiro e o texto que serviram de base aos estudos que fazemos semanalmente no Centro Espírita Nosso Lar (Londrina, PR), relativamente ao Ação e Reação, de André Luiz, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier e publicada em 1957 pela Federação Espírita Brasileira.
A seguir, o texto desta semana:

Questões para debate

A. Que fato levou Gaspar a redimir-se e perdoar a quem o levou à morte?
B. De que modo Gaspar voltou à carne e aos braços de Adelino?
C. Por que Leo jazia em triste pavilhão de indigentes, às vésperas da morte?

Texto para leitura 

108. Gaspar também se redime – Adelino, tendo sofrido por longo tempo o trauma perispirítico do remorso, por haver incendiado o corpo do próprio pai, nutrira em si mesmo estranhas labaredas mentais que o castigaram intensamente além-túmulo... Renascera, por isso, com a epi­derme atormentada por vibrações calcinantes que, desde cedo, se lhe expressaram na nova forma física por eczema de mau caráter, moléstia essa que deveria cobrir-lhe todo o corpo, durante muitos e angustiosos lustros de sofrimento. Graças aos méritos que ele foi adquirindo no esforço a favor do próximo, a enfermidade não tomou, porém, proporções que o impedissem de aprender e trabalhar, porque granjeara a ventura de continuar a servir, pelo seu impulso espontâneo na plantação cons­tante do bem. De volta à Mansão, Silas prosseguiu tecendo brilhantes comentários em torno do "amor que cobre a multidão dos pecados", como ensinou o Apóstolo. Foi quando relatou que Martim Gaspar havia sido igualmente tocado pelos exemplos de seu ex-filho. Observando-lhe a transformação, Gaspar abandonou as companhias indesejáveis a que se adaptara e rogou asilo na Mansão, havia alguns anos, onde aceitara se­veras disciplinas. Na noite seguinte, a surpresa de André foi muito grande, porquanto o próprio Druso convidou os dois amigos a acompanhá-lo numa excursão à Crosta, juntamente com Silas e duas valorosas irmãs do Instituto. (Ação e Reação, cap. 16, pp. 223 e 224.) 

109. A volta de Gaspar – A viagem foi ligeira e, espantado, André viu que a equipe estacionara à porta da casa de Adelino, visitada na véspera. Dois auxiliares já conhecidos dos amigos esperavam-nos no li­miar e, após a saudação habitual, um deles disse a Druso: "Diretor, o pequenino recém-nato estará conosco, dentro de meia hora". No lar, o relógio marcava duas horas e vinte minutos da madrugada. Druso pene­trou o aposento em que Adelino dormia e acariciou-lhe a fronte por mo­mentos. Adelino ergueu-se do corpo de carne, qual se fora movido por alavancas magnéticas poderosas, e acolheu-se nos braços do diretor da Mansão. "Meu amigo – disse-lhe Druso –, chegou a hora do reencon­tro..." Adelino começou a chorar, aterrorizado, sem conseguir desen­faixar-se-lhe dos braços acolhedores. Druso orou, suplicando a Deus concedesse a bênção das dores e das horas para redenção de nossos cri­mes e deserções. Quando sua voz emudeceu, profunda emotividade dominou a todos. Reconduzido ao veículo carnal, Adelino acordou em copiosas lágrimas... Findos alguns minutos de expectação, escutou-se lá fora o choro convulso de uma criança tenra... Adelino, enlaçado por Druso, abriu a porta e viu pobre recém-nascido que vagia aflitivamente. Ele ajoelhou-se, enquanto Druso lhe dizia com segurança: "Adelino, eis o pai ofendido que, enjeitado pelo coração materno que ainda não mere­ceu, vem ao encontro do filho regenerado!" Adelino não lhe ouviu a pa­lavra com os ouvidos carnais, mas registrou-a na mente, como apelo do amor celeste que lhe trazia ao coração mais uma criança abandonada e infeliz... Tomado de alegria, para ele inexplicável, abraçou o pequer­rucho com espontâneo gesto de amor e, após conchegá-lo ao peito, vol­tou para dentro, gritando jubiloso: "Meu filho... meu filho!..." Mar­tim Gaspar retornara à experiência física, asilando-se nos braços do filho que, um dia, o desprezara. (Obra citada, cap. 16, pp. 225 a 227.) 

110. O caso Leo – Silas levou seus amigos ao atendimento de Leo, que uma tuberculose pulmonar arrastava à morte. O enfermo jazia em triste pavilhão de indigentes em vasto hospital da Terra. Apesar da dispneia(1), seu olhar era calmo e lúcido, revelando perfeita conformação aos padecimentos que o conduziam ao termo da experiência. O estado orgânico do enfermo era terminal; todos os sintomas da morte patenteavam-se, iniludíveis. Leo, moribundo, era um viajante habilitado à grande romagem, tão somente à espera do sinal de partida, e tão acentuada se lhe evidenciava a acui­dade mental, que quase podia ver Silas e seus amigos a seu lado. O As­sistente disse então aos companheiros: "Já que vieram para anotar um processo de dívida expirante, podem algo perguntar ao companheiro, cuja memória se revela, tanto quanto possível, consciente e vigi­lante". (Obra citada, cap. 17, pp. 229 e 230.) 

111. A cruz do tuberculoso – Leo não poderia ouvi-los com os tím­panos da carne, mas em espírito – esclareceu Silas. André, então, perguntou-lhe se ele tinha consciência de que deixaria o corpo em bre­ves horas. Leo, crendo raciocinar por si mesmo, registrou a pergunta, palavra por palavra, qual se fossem transmitidas ao cérebro por fios invisíveis, e, como se conversasse a sós consigo mesmo, falou pen­sando: "Oh! sim, a morte!... Sei que, provavelmente esta noite, chega­rei ao justo fim..." E ajuntou, em seguida: "Nada posso temer... Nada posso recear, em companhia do Cristo, meu Salvador... Ele também foi vilipendiado e esquecido... <...> Por que não me resignar à cruz do meu leito, suportando, sem reclamar, as golfadas de sangue que de quando em quando me anunciam a morte, eu que sou pecador necessitado da complacência divina?!..." Após dizer-se católico, Leo respondeu, falando mentalmente, a uma pergunta de André acerca da ausência de seus familiares naquele momento: "Ah! meus familiares... meus afe­tos... meus pais teriam sido no mundo os meus únicos amigos... No en­tanto, demandaram o túmulo, quando eu era simplesmente um jovem en­fermo... Separado de minha mãe, vi-me entregue aos desajustes orgâni­cos... Logo após, meu irmão Henrique não hesitou em declarar-me inca­paz... Por direito à herança, cabiam-lhe grandes bens, contudo preva­lecendo-se do meu infortúnio o mano obteve da Justiça, com meu próprio assentimento, a documentação com que se fazia meu tutor... Bastou, po­rém, a consecução dessa medida, para que se transformasse para mim num verdugo cruel... Apossou-se-me de todos os recursos... Internou-me num hospício, em que amarguei longos anos de isolamento... Sofri muito... Alimentei-me com o pão recheado de fel, destinado pelo mundo aos que lhe penetram as portas como réprobos do berço, porque o desequilíbrio mental me perseguia desde a idade mais tenra..." Leo contou, então, que ao sair do manicômio, e recorrer ao irmão, este o expulsou sem compaixão. Vencido, apavorado, recorreu à Justiça, mas em vão, porque, legalmente, Henrique era o único senhor dos haveres da família. (Obra citada, cap. 17, pp. 231 e 232.)

(1) Disp­neia significa dificuldade na respiração.

Respostas às questões propostas

A. Que fato levou Gaspar a redimir-se e perdoar a quem o levou à morte?
Martim (o Adelino de hoje) reencarnara com a epi­derme atormentada por vibrações calcinantes que, desde cedo, se lhe expressaram por eczema de mau caráter, moléstia essa que deveria cobrir-lhe todo o corpo, durante muitos e angustiosos lustros de sofrimento. Graças aos méritos que ele foi adquirindo no esforço a favor do próximo, a enfermidade não tomou proporções que o impedissem de aprender e trabalhar, porque granjeara a ventura de continuar a servir, pelo seu impulso espontâneo na plantação cons­tante do bem. Tocado pelos exemplos de seu ex-filho, Gaspar abandonou as companhias indesejáveis a que se adaptara e rogou asilo na Mansão, onde aceitara se­veras disciplinas e iniciara, desse modo, o processo de sua própria redenção. (Ação e Reação, cap. 16, pp. 223 e 224.) 

B. De que modo Gaspar voltou à carne e aos braços de Adelino?
Abandonado por sua mãe ao reencarnar, Gaspar foi conduzido – graças à intercessão dos bons Espíritos – à residência de Adelino. Era madrugada quando este ouviu o choro convulso de uma criança tenra. Enlaçado por Druso, Adelino viu, ao abrir a porta, pobre recém-nascido que vagia aflitivamente. Ele ajoelhou-se, enquanto Druso lhe dizia com segurança: "Adelino, eis o pai ofendido que, enjeitado pelo coração materno que ainda não mere­ceu, vem ao encontro do filho regenerado!" Tomado de alegria, para ele inexplicável, Adelino abraçou o pequer­rucho com espontâneo gesto de amor e, após conchegá-lo ao peito, vol­tou para dentro, gritando jubiloso: "Meu filho... meu filho!..." Gaspar retornara à experiência física, asilando-se nos braços do filho que, um dia, o desprezara. (Obra citada, cap. 16, pp. 225 a 227.)

C. Por que Leo jazia em triste pavilhão de indigentes, às vésperas da morte?
Leo, vitimado por uma tuberculose pulmonar, jazia em triste pavilhão de indigentes em vasto hospital da Terra, porque seu irmão, Henrique, o havia declarado incapaz e, além de apossar-se dos recursos que lhe cabiam por herança, internou-o num hospício, em que Leo teve de amargar longos anos de isolamento. Quando saiu do manicômio e recorreu ao irmão, este o expulsou sem compaixão, condenando-o a uma vida de miséria e indigência. (Obra citada, cap. 17, pp. 229 a 232.) 



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