domingo, 21 de dezembro de 2014

“Humberto de Campos, o escritor cujo objetivo é escrever com proveito”

Entrevista Espanhol Inglês    
Ano 8 - N° 394 - 21 de Dezembro de 2014
ORSON PETER CARRARA
orsonpeter92@gmail.com
Matão, SP (Brasil)
 
 
Isabela Pereira Dias Esperança:
 Estudiosa da obra de Humberto Campos, a professora fluminense fala-nos sobre a obra mediúnica do notável escritor, que desencarnou há 80 anos
Parte 2 e final
Isabela Pereira Dias Esperança (foto), professora de Língua Portuguesa da Secretaria de Estado e Educação do RJ, e de Língua Espanhola da Fundação de Apoio à Escola Técnica, é graduada em Letras e pós-graduada em Língua Espanhola. Vinculada ao Centro Espírita Filhos da Luz, de Barra Mansa (RJ), cidade onde nasceu e reside, é espírita
desde 2010 e estudiosa e pesquisadora da obra psicográfica de Humberto Campos/Irmão X, cujos 80 anos de desencarnação são lembrados agora em dezembro de 2014.

Pela extensão e valor da entrevista, publicamo-la em duas partes. A primeira parte foi publicada na edição passada.
O que mudou entre Humberto Campos encarnado e o Espírito Humberto?
No primeiro livro psicografado de Humberto de Campos publicado em 1937 com o título Crônicas de Além-túmulo, três anos depois de sua desencarnação ocorrida em 1934, já no prefácio o autor assume seu passado materialista, em que ideias transcendentais de perpetuidade do Espírito seriam idealistas e distantes da realidade prática da vida. Enquanto encarnado, sua índole de revolta e amargura diante dos sofrimentos e dores nas experiências da vida, como ele mesmo relata, impediu que a fé florescesse em seu coração conturbado, e, embora conhecedor do Espiritismo Consolador, este não encontrou campo para trazer-lhe as benesses e o alívio, saturado que estava de fórmulas religiosas e filosóficas de seu tempo. Como ele mesmo disse, “o pior enfermo é sempre aquele que já experimentou todos os específicos (medicamentos) conhecidos”. Desencarnado, se surpreendeu com a nova situação além-túmulo, pois em seus últimos anos de vida julgava o túmulo o fim, mas, diante da continuidade da vida, ficou perplexo ao se deparar com a realidade espiritual, que em nada corresponde às ideias religiosas impregnadas de símbolos, de anjos, inferno e céu. Esta nova experiência abre enfim seu coração para o medicamento evangélico, reconhecendo-se como estudante novo diante da eternidade, como conta no conto “De um casarão de outro mundo”: “Ah! Meu Deus, estou aprendendo agora os luminosos alfabetos que os teus imensos escreveram com giz de ouro resplandecente no livro da Natureza. Faze-me novamente menino para compreender a lição que me ensinas!” A obra de Humberto de Campos desencarnado é o trabalho de um Espírito intelectualizado, agora desperto, que procura avidamente regenerar seu coração, como escreve no prefácio do livro Boa Nova: “É que existem Espíritos Esclarecidos e Espíritos Evangelizados, e eu, agora, peço a Deus que abençoe a minha esperança de pertencer ao número desses últimos”.
E a questão Irmão X? que disso resultou?
O histórico caso do processo movido pela viúva de Humberto de Campos por direitos autorais dos livros psicografados por Francisco Cândido Xavier permitiu à Doutrina dos Espíritos, bem como aos espíritas, provar a autenticidade e o valor das verdades espirituais e universais, que, em verdade, a ninguém pertencem. O testemunho das lutas materiais sofridas pelo Movimento Espírita, dado no Tribunal em que até a justiça humana invalidou o direito requerido a produções literárias atribuídas a um autor “Espírito”, resultou em divulgação favorável à Causa bem como a realização de estudos sérios das obras psicografadas pelo médium. Chico Xavier, que se veria diante dos tribunais justificando e defendendo sua tarefa mediúnica, em carta endereçada ao presidente da FEB em 23 de novembro de 1944, exemplificando sempre a todos nós a sua humildade, roga em seu desprendimento, aos espíritas e aos amigos, que o ajudem com silêncio e prece e não com defesas precipitadas. Muitas vezes, tal como Simão Pedro, puxamos a espada para defender Jesus, a Doutrina e a verdade, que são capazes de se defender por si sós, e nosso amoroso Francisco Cândido Xavier sofria em ver seus companheiros com tanto conhecimento evangélico transformar-se em lutadores, esquecendo os deveres cristãos e os ideais de caridade, bandeira da Doutrina codificada por Allan Kardec. Jesus avisou-nos que o “Escândalo é necessário” e que enviaria seus discípulos  “ao mundo como ovelhas no meio de lobos”. Nas palavras de Humberto de Campos no livro Novas Mensagens, no capítulo chamado “O Espiritismo no Brasil”, temos a seguinte declaração do diretor de uma reunião no plano espiritual, presentes numerosos companheiros de Allan Kardec já então desencarnados, em que se discorria sobre o futuro do Espiritismo: “Urge, pois, nos voltemos para a Europa e para a América, onde, se campeiam as inquietações e ansiedades, existe um desejo real de reforma, em favor da grande cooperação pelo bem comum da coletividade. Certo, essa renovação é sinônima de muitas dores e dos mais largos tributos de lágrimas e de sangue; mas, sobre as ruínas da civilização ocidental, deverá florescer no futuro uma sociedade nova, sobre a base da solidariedade e da paz, em todos os caminhos dos progressos humanos...“.
Qual o perfil dominante nos textos de Humberto-Espírito?
“Queria voltar ao mundo que deixei, para ser novamente teu filho, desejando fazer-me um menino, aprendendo a rezar com teu Espírito santificado nos sofrimentos”, diz Humberto de Campos no texto “Carta à minha mãe”. No livro Novas Mensagens há um apêndice carinhosamente escrito por Almerindo Martins de Castro, de maneira que possamos compreender quem é Humberto de Campos. Ele descreve a infância dura de Humberto de Campos, órfão de pai, criação humilde no interior brasileiro, em uma região carente, que sofreu ao lado da mãe a fome e o frio da pobreza irremediável, além de pouca instrução formal. Define Humberto de Campos como perseverante diante dessa trilha obscura de dores que marcou sua vida até aos louros do reconhecimento como literato na Academia Brasileira de Letras. Afirma Humberto de Campos: “Gosto de subir mas não gosto de mudar de escada”, assim como no trecho da carta destinado à sua mãezinha, em que gostaria de refazer o trecho já vivido, agora aceitando a caminhada com Jesus, como narra no conto “Trago-lhe meu adeus sem prometer voltar breve”, em que se julgava em dívida com a doutrina por sua não compreensão do Parnaso de Além-Túmulo. Esteve com a obra em mãos enquanto esteve encarnado, e ainda assim seu espírito cético e irônico prevaleceu. Desencarnado, aparecendo a oportunidade por meio das mãos de Chico Xavier, reconhecido como grande cronista, Humberto de Campos nos envia Crônicas de Além-Túmulo. No prefácio de Contos e Apólogos, cujo título é Oferenda, oferta-nos suas histórias resumindo: “Dir-te-ão todas elas que, além da morte, floresce a vida, tanto quanto da noite ressurge o esplendor solar, e que se há flagelação e desespero, ante o infortúnio dos homens, fulgem sempre puras e renovadas a esperança e a alegria ante a glória de Deus”.
Algo que gostaria de acrescentar?
Na obra Crônicas de Além-Túmulo, Humberto de Campos relata no capítulo 20 seu encontro com o apóstolo Simão Pedro, em Minas Gerais, em que, surpreendido, questiona a veneranda entidade sobre os objetivos que então justificariam sua presença aqui no Brasil, e o nobre Apóstolo responde-lhe: “Venho visitar a obra do Evangelho aqui instituída por Ismael, filho de Abraão e Agar, dirigida dos espaços por abnegados apóstolos da fraternidade cristã”. Na obra de Humberto de Campos fica claro o caminho do Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, para o que Jesus, nosso guia e modelo, diretor do orbe terreno, nos convida à abnegação com coragem e vontade, pois estamos sob sua tutela amorosa, como diz o Espírito de Verdade no prefácio de O Evangelho segundo o Espiritismo: “Homens, irmãos amados, estamos juntos de vós”. No capítulo “A casa de Ismael” do mesmo livro Crônicas de Além-Túmulo, o autor espiritual nos revela que a obra espírita e seu roteiro no plano material é, muito antes, conhecida e analisada no mundo espiritual e orientada com base nas leis de amor, justiça e caridade que regem todos os nossos destinos, apesar de todas as incompreensões e os combates que se dão em sua trajetória. Os inúmeros contos do repórter do Além, psicografados por Chico Xavier, nos trazem a lume esse trabalho e esse esforço do plano espiritual para que todos nós, que estamos sob a tutela de Ismael, ampliemos em nossos corações os ideais sublimes do amor, a fronteira de nossa nação e do nosso coração estendendo-se e ampliando do individual para o coletivo e  por todo o globo como um imenso coração irradiando os princípios da caridade, como esclarece Pedro Richard ao estudante Humberto de Campos na obra Novas Mensagens: “A obra de Ismael tem de começar no íntimo das criaturas. [...] A casa de Ismael tem de irradiar, antes de tudo a claridade do amor e da sabedoria espiritual, objetivando o grande serviço da edificação das almas. [...] Iluminado o homem, estará iluminada a obra humana”.
Suas palavras finais.
O Espírito de Verdade, no capítulo VI de O Evangelho segundo o Espiritismo, roga-nos: "Espíritas, amai-vos! Este o primeiro ensino! Instruí-vos, este o segundo!” Muitos dos contos de Humberto de Campos, nas páginas psicografadas por Chico Xavier, tratam de ocorrências de que o autor participa relatando suas próprias experiências e seu aprendizado.  No livro Novas Mensagens, no conto “No Banquete do Evangelho”, Humberto de Campos narra uma tarde de estudo do Evangelho presidida por generosos amigos espirituais, em que junto a companheiros intelectuais e homens de letras como ele, recebia-se orientação do mais alto valor. Enquanto ele e os amigos julgavam os acontecimentos a partir das ciências humanas, o instrutor Pedro Richard os iluminava com conceitos evangélicos: “Richard – disse eu, em dado instante, valendo-me dos recursos de minha passada literalice, no desdobramento de nossa palestra – você sabe que foi Pístrato quem ordenou a publicação das rapsódias homéricas? – Ignoro – respondeu ele, humildemente – em compensação, sei que Jesus ordenou aos seus apóstolos a grafia do evangelho”. À semelhança de Jesus, o governador do orbe, sendo tentado pelos fariseus a expor-se e comprometer-se com suas palavras, ele “tenta” seu instrutor. 
No capítulo 3 do livro Boa Nova (escrito depois de Novas Mensagens) temos uma conversa semelhante em um encontro de Jesus e o sacerdote Hanã, homem orgulhoso por considerar-se superior, em que este ironicamente empreende uma conversação com Jesus perguntando o que ele faz na cidade: “Passo por Jerusalém buscando a fundação do Reino de Deus! – exclamou o Cristo, com modesta nobreza. – Reino de Deus? tornou o sacerdote com acentuada ironia. – E o que pensas tu venhas a ser isso? – Esse Reino é obra divina no coração dos homens! – esclareceu Jesus com serenidade. [...] – Conheces Roma ou Atenas? – Conheço o amor e a verdade – disse Jesus convictamente.  – Tens ciência dos códigos da Corte Provincial e das leis do Templo? – inquiriu Hanã, inquieto. – Sei qual é a vontade de meu Pai que está nos céus – respondeu o mestre, brandamente”. 
O estudante Humberto ainda insiste com o instrutor Pedro Richard: “– Ah! É verdade... –  dissemos nós [...] – sem os Evangelhos todo o esforço do mundo corresponderá justamente ao trabalho improfícuo das Danaides.  – Danaides!? – exclamou nosso amigo, na sua faina educativa. – Não preciso ainda desse conceito mitológico, porque no próprio Evangelho está escrito que não se coloca remendo novo em pano velho”. Ansiando por transformar-se do Espírito esclarecido para Espírito evangelizado, rico do instruí-vos e carente do amai-vos, ante o Amigo Sublime da Cruz no livro Lázaro Redivivo, Humberto de Campos, ciente de suas fraquezas, roga a Jesus, inspirando a todos nós: “já que é necessário abandonar o meu velho cântaro de fantasias, troca-me a túnica das últimas vaidades literárias pelo burel humilde do viajor, interessado em atingir o berço distante, embora os atalhos difíceis e pedregosos!”
Fonte: O Consolador uma Revista Semanal de Divulgação Espírita 

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