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André Gonçalves Fernandes | |||
A rapidez e o forte impacto social provocados pelos problemas decorrentes das inúmeras inovações das ciências médicas, sobretudo da engenharia genética e da embriologia, não podem ficar alheios ao direito, pois envolvem o contato com o ser humano vivente, o qual é titular de uma série de direitos inalienáveis. O progresso científico criou uma nova mentalidade de atuação das ciências médicas. A medicina tradicional já não consegue acompanhar os efeitos deste progresso: esterelização compulsória de deficientes mentais, fertilização in vitro, inseminação artificial post mortem, eutanásia, aborto, banco de óvulos, estoque de embriões humanos excedentes, crioconservação, experimentação terapêutica de fetos mortos, mudança de sexo, reprodução humana assexuada, manipulações genéticas, enfim, uma gama enorme de técnicas médicas, cujos limites vão além da extravagância intelectual ou da torpeza dos interesses econômicos envolvidos. O atendimento médico tomou um perfil mais socializado, restando muito restrita a atuação do médico de família. Os padrões de conduta nas relações entre médico, paciente e operadora do plano de saúde assumiram outros patamares, em razão da implementação de políticas sanitárias que buscam respeitar o direito constitucional à saúde. A telemedicina e o fone-med tornaram-se instrumentos de uso ordinário pelos profissionais da saúde no tratamento dos pacientes. A universalização das organizações de saúde (“Médicos sem Fronteiras” e a Organização Panamericana da Saúde) é um fato incontroverso. São entes que se preocupam com o combate das doenças em locais sem qualquer estrutura e que editam várias recomendações e protocolos sobre questões delicadas da bioética. A medicalização da vida humana é cada vez maior, diante do aumento das ofertas de serviços médicos para cada fase da pessoa (embiologia, pediatria, cirurgia estética, geriatria). A criação de comitês de ética, tanto na esfera hospitalar, quanto na de pesquisa, com o fim de dar credibilidade aos resultados obtidos e proteger os interesses dos pacientes envolvidos em questões bioéticas. Há também o crescente interesse da ética filosófica nos temas relativos à vida, reprodução e morte do ser humano. Existe a necessidade de um padrão moral de atuação médica, a ser buscado pela razão comunicativa e com respeito à realidade das coisas, diante da fragmentação dos valores, resultado inevitável do pluralismo social, a fim de resolver a questões oriundas do progresso científico e tecnológico das ciências biomédicas. Como se vê, o repertório de questões é amplo. Some-se a isso a crescente especialização das diversas áreas que englobam as ciências biomédicas, cujo efeito negativo prático é o aumento dos riscos de manipulação do paciente ou de um tratamento para fins ilícitos. O diagnóstico é muito simples: a boa prática médica atual demanda uma renovação ética e deontológica. Esse novo pensar ético e deontológico deve indicar os limites de atuação do imperativo científico-tecnológico, mas com respeito incondicionado ao primado da dignidade do ser humano, sobretudo quando o profissional da medicina se interroga a respeito do que pode e do que deve ser feito. Em bom português: diante dos riscos a que espécie humana está sujeita, impõe-se o estabelecimento de limites à liberdade de pesquisa biomédica (artigo 5º, inciso IX, da CF 88). A bioética, nesses moldes, surge como novo domínio de reflexão que considera o ser humano em sua integralidade, evidencia os marcos éticos para uma vida humana digna, inquieta todos sobre os malefícios do avanço desordenado da biotecnologia e convoca a sociedade a uma tomada de consciência dos desafios trazidos pelas ciências biomédicas. A bioética, em suma, deve ser personalista, por enxergar o homem como pessoa, como um ser individualizado e circunstancialmente considerado, com o claro fim de evitar qualquer intervenção no ser humano que não lhe acarrete um bem, pois a criatura humana sempre será um fim em si mesma e jamais um meio para a conquista de outras finalidades. E o biodireito deve caminhar de mãos dadas com a bioética personalista. Com respeito à divergência, é o que penso. | | ||
André Gonçalves Fernandes, nascido em 1974, é Juiz de Direito da 2ª Vara Cível e de Família da Comarca de Sumaré/SP. Graduado, no ensino fundamental e médio, pelo Colégio Visconde de Porto Seguro em 1991. Bacharel e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1996 e 1999. Atua como magistrado desde 1997. Articulista do Correio Popular de Campinas e da Escola Paulista da Magistratura desde 2002. É membro da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas/SP desde 2008 e professor do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) desde 2011. Mestrando em Filosofia e História da Educação pela Universidade de Campinas desde 2012. Fala inglês, francês, italiano e alemão. Casado e pai de 4 filhos. É torcedor do São Paulo Futebol Clube. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 24/01/2012 |
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