domingo, 30 de junho de 2013

DESVENDANDO O SIGNIFICADO DA FELICIDADE

 
Anselmo Ferreira Vasconcelos

Ser feliz é uma ambição genuinamente humana. De certa maneira, passamos boa parte das nossas existências em busca da felicidade. Conforme pondera o psicólogo Martin E.P. Seligman, Mais palavras foram escritas para definir felicidade do que praticamente qualquer outra questão filosófica”.1 De fato, numa rápida busca no Google encontramos mais de 24 milhões de citações para o termo felicidade e 157 milhões para o seu similar em inglês, isto é, happiness.

Apesar disso, felicidade é um conceito ainda mal compreendido. Afinal de contas, as pessoas ainda lhe atribuem determinados estados, características e descrições que não lhe cabem ou restringem o seu significado. De acordo com outro destacado psicólogo, Michael Argyle (1925-2002), as pessoas geralmente descrevem felicidade em termos de contentamento, satisfação, paz mental, sentimento de realização, deleite, alegria, entre outras coisas.2

Estabelecendo mais claramente as suas fronteiras conceituais, Seligman considera que o importante é saber distinguir uma felicidade momentânea de uma constante.3 Assim sendo, a momentânea pode ser facilmente aumentada pelo usufruto de experiências (gozos) passageiras e/ou fugazes tais como ir ao cinema, teatro, shopping center, saborear um chocolate, receber uma promoção, aumento de salário etc. Mas elevar a constante de felicidade é algo que o aumento do número de episódios de sentimentos positivos momentâneos não logrará. Talvez seja por essa razão que o conceito de felicidade vem sofrendo inúmeras interpretações ao longo da história. 
 
A propósito, o médium Divaldo P. Franco faz esclarecedoras considerações sobre o tema. Recuando no tempo, ele declara que foi na Grécia que o conceito de hedonismo – ainda extremamente relevante nos tempos atuais – floresceu como uma filosofia que abarcava “o prazer e a beleza como bens supremos da vida humana”.4 Alguns dos representantes mais eminentes dessa escola de pensamento foram Aristipo de Cirene (435-366 a.C.) e Epicuro de Samos (341-270 a.C.). 
  
O pensamento hedonista na atualidade - Assim, “Enquanto o primeiro dizia que o prazer é um bem em si, podendo ser usado intensamente, o segundo determinava a moderação do prazer, no intuito de que se pudesse chegar à verdadeira felicidade.
“As duas doutrinas foram confundidas ao longo dos séculos, e o que perdurou para a história foi a noção hedonista de Aristipo, que pregava a busca desenfreada pelos prazeres sensoriais, como comer, beber, dormir e praticar sexo, sem qualquer avaliação de caráter moral.5  

Na há dificuldade de se perceber que o pensamento hedonista influencia fortemente o modo de vida de considerável parcela da humanidade presentemente encarnada. Basta ver, por exemplo, a drogadição, o alcoolismo e a sexolatria que dominam especialmente as mentes infanto-juvenis. Mas em flagrante contraste com os pensadores citados, Sócrates (469-399 a.C.):

“[...] em seu tempo já dizia que a felicidade independe do ter, do não ter, do enfrentar a dor. A verdadeira felicidade é o ser. Mas, para ser, são indispensáveis três fatores: o pensamento reto, a conduta reta e as palavras saudáveis”.6

Franco cita também o notável pensador cínico, Diógenes de Sínope (412-323 a.C.) que viveu como um mendigo e, como tal, desprezava os poderosos e as convenções sociais. A sua filosofia condenava veementemente o prazer, o desejo e a luxúria.7 Também sempre nos fascinaram as ideias de outro filósofo que, aliás, exerce grande influência no pensamento acadêmico contemporâneo, isto é, Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão. Aristóteles desenvolveu o conceito de eudaimonia, ou seja, no grego a palavra ‘‘eu’’ evoca a ideia de bem ou bem-estar e ‘‘daemon’’, Espírito.

E aqui há um claro avanço no assunto, pois, como observa o acadêmico Eduardo Wills, o eudaimonismo considera o bem-estar ser mais importante do que felicidade hedônica porque tem a ver com a realização dos potenciais humanos.8 

A felicidade e sua relação com a vida virtuosa - Para ele, a visão aristotélica interpreta a felicidade como parte de um entendimento virtuoso ou ético da vida. Mas, no final das contas, o que guia a ação humana é precisamente a busca pela felicidade. O pensamento aristotélico advoga também que para descobrir o verdadeiro significado da felicidade é vital examinar inicialmente a natureza humana (Espírito) em toda a sua complexidade.
 
Dentro dessa perspectiva, tem-se como certo que o exercício das faculdades humanas em toda a sua condição de excelência conduzirá à felicidade, e constituindo tal busca um comprometimento de vida. Para Wills, “Dessa forma, a busca da felicidade terá implicações práticas em termos de se viver uma vida virtuosa”. Nessa concepção, a felicidade é produto da maneira como utilizamos as nossas habilidades. De fato, conhecidos personagens da atualidade ligados a certos escândalos financeiros e políticos, por exemplo, comprometeram irremediavelmente os seus níveis de felicidade ao não adotar uma conduta virtuosa. Afinal de contas, hoje os seus nomes estão claramente identificados como malfeitores ou transgressores da lei. Por fim, é muito auspicioso que um cientista com a envergadura de Wills proponha que a satisfação com a espiritualidade contribuirá para a obtenção de elevados níveis de satisfação com a vida como parte da visão eudaimônica de felicidade.10

Todavia, ao examinar as nuances da felicidade, Michael Argyle sugeriu que Felicidade pode ser entendida como uma reflexão sobre a satisfação com a vida, ou como a frequência e intensidade de emoções positivas”.11 Com efeito, há substanciais evidências empíricas de que as emoções positivas criam um escudo contra os “estragos do envelhecimento”, conforme atesta Seligman.12 Por outro lado, estudiosos da felicidade têm argumentado que as pessoas e as nações são mais ou menos felizes levando-se em consideração alguns sentimentos positivos relacionados às dimensões: relacionamentos sociais, trabalho e desemprego, lazer, dinheiro, classe, cultura, personalidade, alegria, satisfação com a vida, idade, sexo, saúde, progresso e assim por diante.13
 
O que torna uma vida digna - Baseado nisso, Argyle afirmou que as condições gerais de vida impactam a felicidade. Então felicidade é um conceito multidimensional. Dito de outra forma: é resultante de várias causas. No mundo hodierno, como sabemos, os haveres monetários têm um papel preponderante na vida das pessoas, mas não são necessariamente sinônimos de felicidade. De acordo com Seligman, “Mais do que o próprio dinheiro, o que influencia a felicidade é a importância que você dá a ele [...]”.14 Mas o que faz uma vida digna? Segundo pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Gallup em escala mundial é necessário satisfazer cinco elementos essenciais, a saber: bem-estar da carreira, social, financeiro, físico e comunitário.15  

Na atualidade existem até mesmo rankings de felicidade das nações. Por exemplo, o Happy Planet Index que mede a expectativa de vida, bem-estar e aspectos ecológicos. Embora eles sirvam de parâmetro, são imperfeitos porque cada um usa determinado conjunto de variáveis ou critérios específicos de medição que acabam levando, de certo modo, ao subjetivismo. Ademais, nota-se no pensamento e na medição contemporânea de felicidade que há uma clara inclinação/viés para o “ter” em detrimento do “ser”. Posto isto, o que a religião pode nos oferecer a respeito de felicidade num mundo onde há tanta infelicidade? Seligman argumenta que: “A relação entre esperança no futuro e fé religiosa é provavelmente a pedra angular do motivo pelo qual a fé afugenta o desespero e aumenta a felicidade [...]”.16 Se as religiões contribuíssem com apenas essa percepção já estariam fazendo um trabalho certamente apreciável.

Mas encapsulando toda a complexidade da vida na dimensão material, o Espírito Joanna de Ângelis vai bem mais longe ao afirmar que: “[...] não se pode desfrutar de felicidade plena durante a jornada carnal, no entanto, por meio dos atos morais cada pessoa pode atenuar as aflições que decorrem das experiências infelizes originadas em suas existências transatas”.17 Ou como sintetizou sabiamente Allan Kardec, “A felicidade não é deste mundo”.18
A proposta de Sócrates e a proposta espírita - Por sua vez, Divaldo P. Franco nos lembra que: “O Espiritismo considera a felicidade através da proposta de Sócrates e de Jesus. Sócrates diz que mais importante do que ter é ser. A felicidade do ponto de vista socrático é a decorrência de pensamentos corretos, de atos equilibrados e de corações pacificados. Somente tem um coração pacificado quem age corretamente, e somente age com equilíbrio aquele que pensa bem”.19  

Essa proposta foi completamente absorvida pelo Cristianismo nascente, e Jesus demonstrou ao longo de sua curta vida – mas com a mais absoluta coerência, diga-se – que mais importante do que os valores externos é a condição de paz conquistada pela criatura humana. Por conseguinte, o Espiritismo, explica Franco, defende que a verdadeira felicidade resulta de uma consciência tranquila, consequência natural, aliás, de um indivíduo que possui um caráter reto e se pauta por uma conduta correta.
O respeitável médium oferece explicações sensatas sobre o tema ora em apreço e que merecem a nossa reflexão – ou seja:  
“Por que a felicidade não é deste mundo? Porque vivemos num mundo relativo, e a felicidade seria uma conquista permanente. Desde que vivemos no relativo, vivemos no instável. A felicidade deve ser estável.

“Mas por que então há essa relatividade? Porque nós confundimos prazer com felicidade [...]”20
Nesse sentido, Joanna de Ângelis nos informa que “Somente na conquista dos valores eternos é que o ser adquire bens que se não transferem de mãos e harmonia que nada vence”.21 Franco, a seu turno, esclarece que Jesus na sua missão de nos despertar para a verdade nos informou que o seu reino não era deste mundo. E tal assertiva deve ser interpretada como “[...] Equivalendo dizer que a felicidade é o reino de Deus.  

A felicidade plena espera por nós - Mas, se o Reino de Deus não é deste mundo, há uma sutileza: ele não é deste mundo, mas começa neste mundo. Será aqui que iremos colocar os pilares da felicidade, estabelecer as bases éticas e morais da nossa própria existência [...]”22
 
No entanto, “[...] Para irmos a esse mundo transcendental, estamos na Terra preparando os degraus da ascensão através da nossa vida moral”.23 Ele também observa com acerto que: “Jesus nos veio desenhar a felicidade real, o bem. Se desejamos a felicidade, amemos, mas amemos de tal forma como se fosse a nós mesmos, com o amor próprio que muita gente não tem [...]”.24
 
Por isso, a verdadeira felicidade é aquela que proporciona paz interior porque é erigida sobre leis universais. Esta não depende de nenhum bem material ou prazer fugaz. Para concluir, Kardec nos dá explicações interessantes a respeito do significado transcendente da felicidade sobre as quais deveríamos meditar:

A suprema felicidade consiste no gozo de todos os esplendores da criação, que nenhuma linguagem humana jamais poderia descrever, que a imaginação mais fecunda não poderia conceber. Consiste também na penetração de todas as coisas, na ausência de sofrimentos físicos e morais, numa satisfação íntima, numa serenidade d’alma imperturbável, no amor que envolve todos os seres, por causa da ausência de atrito pelo contato dos maus, e, acima de tudo, na contemplação de Deus e na compreensão dos seus mistérios revelados aos mais dignos. A felicidade também existe nas tarefas cujo encargo nos faz felizes. Os puros Espíritos são os Messias ou mensageiros de Deus pela transmissão e execução das suas vontades. Preenchem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do Universo, tarefa gloriosa a que se não chega senão pela perfeição. Os da ordem mais elevada são os únicos a possuírem os segredos de Deus, inspirando-se no seu pensamento, de que são diretos representantes”.25 Essa felicidade plena espera por nós, mas trabalhemos por merecê-la. 
 
Referências: 

1. SELIGMAN, M.E.P. Felicidade autêntica: usando a nova psicologia positiva para a realização permanente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 31.
2. ARGYLE, M. The psychology of happiness. London: Routledge, 1987, p. 2.
3. SELIGMAN, M.E.P. Felicidade autêntica: usando a nova psicologia positiva para a realização permanente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 67.
4. FRANCO, D.P. Divaldo Franco: responde. Vol. 2. São Paulo: Intelítera, 2013, p. 161.
5. ____________.________________. p. 161-162.
6. ____________.________________. p. 164.
7. ____________.________________. p. 162.
8. WILLS, E. Spirituality and subjective well-being: evidences for a new domain in the personal well-being index. Journal of Happiness Studies, v. 10, n.1, p. 52, 2009.
9. ____________.________________. p. 55.
10. ____________.________________. p. 55.
11. ARGYLE, M. The psychology of happiness. London: Routledge, 1987, p. 13.
12. SELIGMAN, M.E.P. Felicidade autêntica: usando a nova psicologia positiva para a realização permanente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 56.
13. VASCONCELOS, A.F. Broadening even more the internal marketing concept.  European Journal of Marketing, v. 42, n. 11/12, p. 1248, 2008.
14. SELIGMAN, M.E.P. Felicidade autêntica: usando a nova psicologia positiva para a realização permanente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 72.
15. RATH, T. e HARTER, J. Well-being: the five essential elements. New York: Gallup, 2010, p. 6.
16. SELIGMAN, M.E.P. Felicidade autêntica: usando a nova psicologia positiva para a realização permanente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 78.
17. FRANCO, D.P. (Pelo Espírito Joanna de Ângelis). Lições para a felicidade. Salvador: Livr. Espírita Alvorada, 2003, p. 12.
18. KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Versão Digital. Rio de Janeiro: FEB, 2007, cap. 5, item 20.
19. FRANCO, D.P. Divaldo Franco: responde. Vol. 2. São Paulo: Intelítera, 2013, p. 167.
20. ____________.________________. p. 168.
21.____________. (Pelo Espírito Joanna de Ângelis). Lições para a felicidade. Salvador: Livr. Espírita Alvorada, 2003, p. 28-29.
22. ____________. Divaldo Franco: responde. Vol. 2. São Paulo: Intelítera, 2013, p. 168.
23. ____________.________________. p. 174.
24. ____________.________________. p. 171.
25. KARDEC, A. O Céu e o inferno. Versão Digital. Rio de Janeiro: FEB, 2007, p. 25, item 12.


 

 
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Fonte: Retirado de o Consolador uma Revista Semanal de Divulgação Espírita


 

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