quarta-feira, 4 de abril de 2012

AS VIRTUDES HUMANAS NOS CENTROS EDUCATIVOS

DAVID ISAACS
Considerações sobre como implantar um programa de ensino de virtudes humanas nas escolas
ALGUMAS DIFICULDADES NOS CENTROS EDUCATIVOS
Uma conseqüência possível de haver reconhecido o interesse que tem o desenvolvimento das virtudes para todos os alunos em um centro educativo, é a de querer colocar em prática algum tipo de plano ou programa para atender os alunos sistematicamente. Em alguns colégios, isto se chama um “plano de formação”.
Esta possibilidade apresenta sérias dificuldades para uma atenção adequada aos alunos. Por um lado, haverá que considerar que o desenvolvimento de cada virtude deve corresponder a seu justo meio e, por outro, que cada aluno tem uma maior ou menor facilidade para desenvolver cada virtude. Isto é, cada pessoa, ao nascer, conta com uma disposição que lhe facilita, mais ou menos, o desenvolvimento de cada virtude. A algumas pessoas é fácil serem ordenadas ou responsáveis. Em troca, têm dificuldades para serem sinceras ou para serem flexíveis. Outras são o contrário. Isto significa que, se se estabelece um plano generalizado para todos os alunos a respeito do desenvolvimento de alguma virtude concreta, ou a algum aspecto concreto de alguma virtude, o educador pode estar animando algum aluno, inconscientemente, a cair em um vício que é conseqüência de um excesso de atenção à mesma.
Por isso, parece necessário personalizar a atenção às virtudes, no que for possível, tendo em conta as características específicas de cada aluno.
Também haverá que considerar a natureza de cada virtude, já que há algumas que se prestam de uma maneira especial a diferentes momentos do desenvolvimento psicológico do aluno. Por exemplo, não parece lógico insistir na virtude da prudência com as crianças pequenas, já que requer uma capacidade intelectual desenvolvida. Entretanto, tampouco significa que não convenha atender a aspectos parciais da virtude em etapas anteriores.
Tampouco pareceria razoável insistir na virtude do pudor – que requer o reconhecimento da própria intimidade (algo que acontece ao chegar a adolescência) – em etapas prévias, ainda que se poderia insistir em comportamentos relacionados com o pudor, para que os alunos vão se acostumando a isso. Tampouco pareceria sensato insistir prioritariamente na virtude da ordem com os adultos, já que agora devem estar em condições de atender a virtudes que requerem maior uso de sua inteligência. Em todo caso, insistir nesta virtude com algum aluno mais velho seria resultado de um empenho remediável.
Outro fator a ter em conta provém das exigências que surjam do entorno em que vive o aluno. Não é o mesmo viver em uma cidade turística ao lado do mar, que viver em um povoado de montanha, por exemplo. Cada situação requererá uma maior insistência em determinadas virtudes.
E, como o aluno está trabalhando e convivendo no contexto concreto de um colégio que é uma organização determinada e definida, em grande parte por um conjunto de valores que configuram sua maneira de entender a educação, é lógico que haverá que atender a estes valores, traduzidos em virtudes, quando for o caso, de uma maneira prioritária.
Em resumo, ao determinar a virtude ou um aspecto de uma virtude prioritária, por parte de um professor, em relação a um aluno concreto, terá que considerar:

- as características pessoais de cada aluno,
- as características psicológicas da idade e do sexo,
- a natureza da virtude,
- as exigências do entorno,
- as prioridades refletidas no ideário do centro educativo.
Existe outro tipo de limitação no desenvolvimento das virtudes de um ponto de vista institucional. Refiro-me ao desejo, por parte dos professores, de considerar as virtudes como objetivos educativos.
Os professores estão acostumados a avaliar o êxito dos objetivos que propõem, em relação aos conteúdos culturais e o desenvolvimento de habilidades instrumentais e intelectuais. Entretanto, indicamos que uma virtude pode ser desenvolvida de acordo com a amplitude e a intensidade com a qual se vive, mas também de acordo com a retidão dos motivos ao vivê-la.
O problema é, como podem ser conhecidos os motivos que um aluno teve para haver atuado de uma maneira ou de outra? É impossível, como é evidente. Portanto, não se pode saber o grau de desenvolvimento de uma virtude em um aluno. Ou, pelo menos, de uma maneira adequada para poder permitir qualificar o aluno a respeito de seu desenvolvimento. Entretanto, é possível avaliar a frequência com que os alunos cumprem determinados atos relacionados com as virtudes. Isto pode ser útil, mas não é o mesmo que avaliar o desenvolvimento de uma virtude. Poder-se-á conseguir o desenvolvimento de um comportamento determinado por medo, pela atração de determinados prêmios, por querer ser melhor que os demais, por um sentido kantiano do dever ou por outros motivos muito pobres. Se os professores conseguem estes comportamentos com base neste tipo de motivação, não estarão ajudando o aluno a conseguir uma maior maturidade natural nem lhes estarão encaminhando para essa felicidade que comentamos antes. Tampouco o estará ajudando a aprender a ser um cidadão ou um profissional responsável.
ASPECTOS ORGANIZACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO DAS VIRTUDES HUMANAS NOS CENTROS EDUCATIVOS
Pelo que dissemos, é possível chegar à conclusão de que não convém tentar “institucionalizar” a atenção às virtudes humanas nas organizações educativas. Mas isto não é totalmente correto. Haverá que admitir que o processo deve ser personalizado na medida do possível e que, também, haverá que preocupar-se pelo processo de formação e de aperfeiçoamento dos professores e dos diretores, em relação às virtudes, já que o exemplo em sua atuação cotidiana pode influir significativamente nas ações e no pensar dos alunos. Na atuação dos professores e dos diretores, os alunos podem ver, conhecer e compreender o atrativas que são determinadas virtudes. Atraídos por elas, recebem uma primeira motivação para tentar desenvolvê-las em sua própria vida. (Se as virtudes vividas pelos professores não se traduzem em atuações atrativas, o mais provável é que, de fato, não são atuações virtuosas. Inclusive podem haver caído em vícios por um excesso da virtude). Tampouco queremos dizer que os professores e os diretores devam ser exemplos perfeitos. Isto nunca será o caso. Os alunos necessitam observar e refletir em torno das atuações em outros que mostram um desejo de melhora contínua. É a luta de superação do educador a respeito da unidade ser-fazer, o que influi decisivamente.

Aceitamos, então, como premissas iniciais a necessidade de:
- A PERSONALIZAÇÃO.
- A EXEMPLARIDADE.
A partir daqui, poderemos aprofundar mais em alguns procedimentos que podem permitir uma maior sistematização do desenvolvimento das virtudes. Concretamente, poder-se-á estimular o desenvolvimento das virtudes:
1. Aproveitando as atividades e conteúdos habituais na vida diária da organização.
2. Organizando atividades docentes específicas idôneas para favorecer o desenvolvimento das virtudes.

3. Organizando atividades complementares, que se sabe, pela experiência, tendem a favorecer o desenvolvimento das virtudes ou alguma virtude.
O APROVEITAMENTO DAS ATIVIDADES E OS CONTEÚDOS HABITUAIS
Neste caso, se trata de aproveitar a atuação habitual do professor na aula, através das atividades que organiza com os alunos e mediante os conteúdos de sua matéria, para estimular o desenvolvimento de algumas virtudes. Também podem ser aproveitadas aproveitar outras situações no colégio – descansos, atividades complementares, o refeitório, o transporte escolar – para estimular esta atenção. Nestes momentos, não estamos falando da criação de nenhuma atividade específica para atender as virtudes. É, mas sim, uma questão de aproveitar a vida habitual de trabalho e de convivência.
Com o fim de aproveitar estas situações, convém que os professores tenham alguma referência a respeito de que virtudes podem ser consideradas prioritárias em cada idade, ou a que aspectos de que virtudes convém dedicar especial atenção.
Não devemos nos esquecer do que mencionamos previamente, a respeito do critério de personalização. Entretanto, pode ser confeccionado um plano genérico de prioridades, que sirva à maioria dos alunos.
Por exemplo, até os sete anos, seria razoável insistir nas virtudes da ordem e da obediência e aspectos da sinceridade, do respeito e da sociabilidade. De oito a doze anos, tendo em conta que os alunos agora dispõem de maior uso de sua vontade e que começam a passar por momentos difíceis de tipo psíquico-físico, poderia ser conveniente centrar a atenção na fortaleza, na laboriosidade, na perseverança, responsabilidade ou em virtudes que supõem uma atenção aos demais, como a generosidade, o companheirismo ou, inclusive a responsabilidade social.
De treze a quinze anos (antes para as meninas) pode ser o momento de insistir em virtudes que têm a ver com a intimidade: o pudor, a amizade, ou aspectos da sobriedade. E de dezesseis a dezoito, com a inteligência mais desenvolvida, conviria insistir em virtudes que requerem maior capacidade intelectual como a prudência, a compreensão, a lealdade ou a flexibilidade.
Uma vez estabelecida uma série de prioridades neste sentido, não parece oportuno tentar chegar a detalhes em uma programação geral das mesmas, mas buscar os procedimentos adequados para que os professores as tenham presentes em sua atuação habitual.
Por exemplo, poder-se-ia organizar uma série de reuniões periódicas nas quais os professores troquem experiências a respeito de atividades e ações que realizaram e que parecem haver ajudado a desenvolver alguma virtude. Desta maneira, o nível de intencionalidade se mantém elevado nos professores.
Também é possível traduzir alguns comportamentos necessários em objetivos para um período de tempo. Às vezes se chamam “lemas ou refrões”. É importante que se refiram a aspectos de comportamento observáveis e que não atinjam toda uma virtude (com o fim de não insistir excessivamente na virtude, no caso de alguns alunos que não o necessitam).
A experiência mostra que qualquer tipo de prioridade requer tempo e perseverança, por parte dos professores. Portanto, não convém modificar estas prioridades com muita frequência. Possivelmente, será necessário todo um trimestre para insistir em alguma virtude ou em algum aspecto parcial da mesma.
Ainda que indicamos anteriormente que não convém realizar uma programação geral detalhada para o desenvolvimento das virtudes, convém que os professores introduzam as virtudes prioritárias em suas programações, de tal maneira que aproveitem ou introduzam situações de aprendizagem que se prestem ao desenvolvimento das virtudes por um lado, e que pensem constantemente sobre como aproveitar os conteúdos de suas matérias no próprio sentido, por outro.
Portanto, parece conveniente estabelecer uma certa coordenação vertical destas prioridades na organização, antes de pretender uma coordenação horizontal. A coordenação vertical dos objetivos ou das prioridades é algo lamentavelmente esquecido nos Parâmetros Nacionais da Educação no Brasil.
Por outro lado, voltemos a advertir a conveniência de não pretender qualificar o desenvolvimento das virtudes, a menos que seja puramente na conquista de condutas requeridas freqüentemente. Desta maneira, poder-se-á avaliar e qualificar a frequência com que um aluno cumpre com uma determinada conduta. Mas nunca o grau em que haja desenvolvido uma virtude.

A ORGANIZAÇÃO DE ATIVIDADES DOCENTES ESPECÍFICAS, IDÔNEAS PARA FAVORECER O DESENVOLVIMENTO DAS VIRTUDES
É possível que se queira reforçar o desenvolvimento das virtudes, especialmente no que se refere ao processo gradual de interiorização dos valores que refletem. E, além disso, apesar de tentar aumentar a intencionalidade dos professores, a respeito do desenvolvimento das virtudes humanas nos alunos, é possível que não se consiga esta atuação congruente.
Nestas situações, pode considerar-se oportuno pensar em conteúdos específicos de uma matéria concreta ou introduzir temas especiais dentro de determinadas disciplinas, com o fim de promover o processo.
A função principal deste tipo de atividade, segundo nosso parecer, é a de ajudar o aluno a descobrir uma série de valores, para que chegue a apreciá-los e, portanto, tenha interesse em começar a vivê-los ou vivê-los mais no futuro. Portanto, não estamos falando de atividades que ajudam o aluno a “clarificar” valores. De fato, o movimento de “values clarification” não se trata tanto de valores como de necessidades. Às vezes, as necessidades e os valores coincidem, mas nem sempre.
Neste campo, houve muito trabalho realizado, começando, em tempos recentes, com o estabelecimento dos dilemas por Kohlberg.
Além disso, experimentaram-se a utilização de diferentes atividades para todas as idades. Estas atividades incluem jogos, contos, diálogos esclarecedores, o role-playing e como técnicas de grupo: o simposium, a mesa redonda, o debate, o seminário, etc.
Do ponto de vista organizacional, conviria contar com um coordenador no colégio, cuja responsabilidade fosse a de recolher experiências de todos os professores que se ocupam destes temas, com o fim de facilitar o intercâmbio de experiências.
Também será necessário buscar o sistema para conseguir que o interesse despertado nos alunos, a respeito destes temas, tenha, a seguir, a oportunidade de ser traduzido em ações. Isto requer uma atenção personalizada para cada aluno.

A ORGANIZAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES, QUE SE SABE PELA EXPERIÊNCIA, TENDEM A FAVORECER O DESENVOLVIMENTO DAS VIRTUDES OU DE ALGUMA VIRTUDE
Com frequência organizam-se as atividades complementares e optativas nos colégios, sem pensar muito no grau de relação que podem ter com os objetivos prioritários da instituição. É possível que os primeiros critérios que se têm em conta, para estabelecer atividades deste tipo, sejam o de que não signifique um investimento importante de dinheiro e que haja alguma pessoa, professor ou pai, que possa ocupar-se do tema. É lógico que seja assim e, em minha opinião, não seria adequado desconsiderar estes critérios.
Entretanto, também é possível considerar a possível relação entre as atividades e o desenvolvimento das virtudes humanas.
Por exemplo, é possível que em um colégio os professores estabeleçam “a responsabilidade social” como objetivo prioritário e, em sua função, organizem atividades para os alunos de distintas idades. Com os menores, colocam em prática atividades que os estimulem a atuar em favor de seus companheiros ou de seus avós. A seguir, se introduzem atividades para colaborar com entidades locais dedicadas às necessidades sociais no entorno. E, com os maiores, se organizam saídas nos meses de férias ou em fins de semanas, para ajudar a necessidades sociais reais.
De fato, atividades deste tipo tendem a criar o que poder-se-ia denominar uma “cultura” da virtude no colégio. Além disso, ao realizar atividades deste tipo, os alunos costumam crescer simultaneamente em outras virtudes como perseverança, generosidade, ou sinceridade.
Outro tipo de atividade - acampamentos, mountain bike, montanhismo, por exemplo -, requerem o desenvolvimento especial da perseverança, o vigor, ou a fortaleza em qualquer de suas manifestações.
A colocação em prática de um grupo de alunos, cuja missão é colaborar no processo de melhora do próprio grupo de classe, dando sugestões, ajudando os colegas, etc. favorece o desenvolvimento da prudência e da responsabilidade entre outras virtudes. (As vezes, estes grupos são chamados de “conselhos de curso”).
A organização de um grupo de teatro não só ajuda a desenvolver a capacidade de expressão oral, a ganhar segurança em si próprio, a aprender a representar um papel, etc., mas também oferece oportunidades de viver o companheirismo, a ordem, a fortaleza, a flexibilidade, etc. se o professor responsável for consciente disso.
Não é necessário dar mais exemplos de como pode favorecer o desenvolvimento das virtudes mediante a introdução de atividades específicas. Entretanto, a eficácia das mesmas sempre dependerá do exemplo do professor ou da pessoa responsável e que saiba utilizar as atividades, buscando estes fins com um grau elevado de intencionalidade.
E este fato nos leva a nosso último comentário.
AS VIRTUDES NOS EDUCADORES
Do ponto de vista da direção, haverá que dedicar tempo, sempre escasso, à formação e aperfeiçoamento dos professores em relação às virtudes humanas. Isto pode significar: reuniões de trabalho; contar com uma biblioteca adequada; entrevistas pessoais de orientação; sessões de aperfeiçoamento, contando com professores convidados, etc. Como mencionamos antes, a exemplaridade é um aspecto crucial para motivar o desenvolvimento das virtudes humanas nos alunos.
Não se pode considerar o desenvolvimento das virtudes em um colégio como um objetivo a mais. É necessário que toda a atividade que se realize esteja imbuída com virtude e, a seguir, pode se complementar esta vida habitual com outras ações se parecer oportuno.
É um desafio para qualquer colégio. Entretanto, se se aceita o desafio, é provável que o resultado seja que os professores estejam mais satisfeitos com seu trabalho e os alunos também.
crianças na escola




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Fonte: DAVID ISAACS, A EDUCAÇÃO DAS VIRTUDES HUMANAS E SUA AVALIAÇÃO.
 
Publicado no Portal da Família em 22/02/2012
 
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