terça-feira, 10 de abril de 2012

Viagem Espírita em 1862, cento e cinquenta anos depois


Orson Peter Carrara
Viagem Espírita em 1862, cento e cinquenta anos depois 
O livro acima e A Obsessão, ambos traduzidos por Wallace
Leal V. Rodrigues, trazem subsídios valiosos para
o fortalecimento dos grupos espíritas
 
 
É um grande prazer apreciar os prefácios elaborados por Wallace Leal V. Rodrigues – que foi redator chefe da Casa Editora O Clarim, de Matão-SP, por bom tempo, nas décadas de 60 a 80 –, especialmente quando se referem a obras de Kardec, que ele mesmo traduziu diretamente dos originais franceses.
É o caso de Viagem Espírita em 1862 e A Obsessão, ambas traduzidas, prefaciadas e editadas no final da década de 60 por aquela editora.
A primeira – que está comemorando 150 anos desde o seu lançamento – traz os pronunciamentos do próprio Allan Kardec a grupos espíritas que ele visitou em viagens de divulgação doutrinária realizadas, como o próprio nome diz, no ano de 1862. A segunda apresenta inúmeros casos de obsessão acompanhados pelo Codificador, com seus comentários, análises e, óbvio, muitos ensinamentos na ampliação do assunto.
Selecionamos para os nossos leitores alguns trechos de dois prefácios do tradutor, seja pela expressão do texto, seja pela oportunidade de sempre lembrar Kardec.
Em A Obsessão, Wallace comenta:
‘(...) No livro que iremos ler, Kardec reúne casos de obsessões manifestadas não apenas em indivíduos, mas também em grupos, tal o de Morzines. Trata-se, pois, de um comportamento social, isto é, de uma delicada textura tal as maneiras como seres humanos – os Espíritos são seres humanos! – se ajustam ou não se ajustam ao meio social, neste caso provocando toda a gama de desequilíbrios que Kardec com tão grande felicidade cataloga ao vivo. (...)
Ocorrência importante a ser enfatizada, principalmente no meio espírita, onde se tem por lema que “o verdadeiro espírita reconhece-se por sua reforma íntima”, é que não estamos completamente cônscios da maioria das nossas “atitudes” nem da extensa influência que elas têm sobre o nosso comportamento social. Mas, através da tão citada “vigilância”, numa análise detalhada, podemos localizar o funcionamento de certas “atitudes” em nós mesmos. E não esqueçamos de que já agora, ou amanhã, na qualidade de Espíritos, poderemos, conforme nossa “atitude”, ser classificados como “obsessores”. 
À primeira vista a mudança de “atitudes” poderá parecer uma questão simples, e este é o erro 
Através de relampejos introspectivos das “atitudes” que funcionam em nós, tornamo-nos sensíveis às “atitudes” de outras mentes, vestidas de carne ou não. Mas sucede que num ou noutro caso nem sempre as pessoas revelam abertamente suas “atitudes”! De fato, elas aprendem, através de experiências com outros, a manter algumas de suas “atitudes” escondidas dos conhecimentos casuais ou mesmo dos amigos mais íntimos. Em virtude desse fato vamos usar o termo “tendência de reação”, em lugar de “reação”, apenas para o terceiro componente das “atitudes”, a fim de indicar que estas não se encontram necessariamente expressas no comportamento ostensivo. E porque isso se dá, o êxito da interação social redunda, frequentemente, no talento para inferir ou reduzir a natureza dos pensamentos, sentimentos e tendências reativas dos outros, a partir de indícios muito sutis de comportamento. Na realidade é uma característica comum do pensamento humano fazer inferências sobre as “atitudes” dos outros e regular nossas próprias ações em conformidade. Com base em limitadas e diminutas amostras do comportamento dos outros, poderemos concluir se, digamos, tratamos com pessoa liberal, compreensiva, destituída de preconceitos, e reagirmos, então, de maneira que considerarmos mais apropriada. Mas, embora todos nós façamos deduções, as pessoas diferem na capacidade de fazê-las corretamente. (...)
À primeira vista a mudança de “atitudes” poderá parecer uma questão simples, e este é o erro em que costuma incidir a maioria dos doutrinadores de sessões de desobsessão. Pensamos que, uma vez que as “atitudes” são aprendidas, deveria ser bastante fácil modificar a intensidade delas ou substituir uma “atitude indesejável” mediante a aprendizagem de outra. O fato complicado porém é que as “atitudes” não são modificadas ou substituídas com a mesma facilidade com que são aprendidas. (...)
O individuo crédulo caracteriza-se por uma acentuada dependência de outras pessoas e uma incapacidade notória para apreciar de modo crítico as proposições alheias. Essa combinação de características torna-o especialmente inclinado a adotar as crenças dos outros ou quaisquer proposições apresentadas com autoridade.  
O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns tinham-se constituído desde logo em êxitos de livraria 
No outro extremo situa-se o indivíduo altamente resistente à persuasão, a quem falta, frequentemente, a capacidade de compreender o material comunicado. É habitualmente negativo à autoridade, rígido e obtuso em seu pensamento e voluntariamente desatento a novas ideias, de onde a necessidade, por parte das Divinas Leis que nos regem, do imperativo da Dor como derradeiro recurso de persuasão para o Bem. (...)
Por tudo isto Jesus propõe tão seriamente o “orai e vigiai”. (...)’
Já em Viagem Espírita em 1862, lemos:
‘(...) é o próprio Codificador, lúcido e desperto, que se encarrega de iniciar a divulgação das verdades espíritas através das tribunas. Em seguida a ele, em perfeita coordenação, surgirá Léon Denis.
Em um como em outro, e tal como sucede ainda em nossos dias, a preocupação se converge para uma ética que, em sendo, até certo ponto, patrimônio das mais antigas culturas, era, praticamente, apenas “letra que mata”; agora vai ser “espírito que vivifica”, subversiva no sentido de arremeter do exterior para o interior, da teoria para a ação. Seu caráter renovador torna-a evangelicamente desmistificada e autenticamente apostolar, o que nos leva a estabelecer a comparação com o livro dos “Atos”, essa crônica de viagem, durante a qual os inúmeros personagens têm, o tempo todo, os lábios entreabertos, como que preparados para traduzir em palavras o pensamento da Boa Nova, em especulações sobre ações passadas e presentes, que se acumulam em seus espíritos com a força do rio comprimido contra as paredes de uma barragem.
Esta “Viagem Espírita de 1862” é qualquer coisa de semelhante e assim Allan Kardec nela se comporta. (...)
“O Livro dos Espíritos” e “O Livro dos Médiuns” tinham-se constituído, desde os seus lançamentos, em êxitos de livraria, e o seu autor se fez, de imediato, notado. Dilacerada por uma acabrunhante tristeza, a Humanidade disputava pensamentos capazes de oferecer uma nova e veraz interpretação para tudo quanto pudesse ser julgado de real importância. As religiões apresentavam os sinais de uma incurável senilidade e deixavam de ser o “freio” esterilizante; mas a ética que tresandava do ensino comunicado pelos Espíritos Superiores podia ser considerada não como “uma religião”, mas a própria “Religião”, surgindo de uma tenebrosa noite sufocada pelo fumo acre que tresandava a carne humana assada nas fogueiras.
Em Lyon ocorreu o primeiro encontro de dirigentes espíritas: de um lado, Dijou; de outro, Kardec 
O seu símbolo não era o “freio”, porém a “chave”, e nisso estava implícito ao mesmo tempo uma esperança e uma ameaça. Havia algo de esgotante e doentio naquele decisivo século XIX, em que o homem alcançara o superlativo de uma técnica elaborada em um suceder inimaginável de gerações: a de amar tão bem, amando tão pouco. (...)
Noite! 19 de setembro de 1860. Kardec é recebido no Centro Espírita de Broteaux, o único existente em Lyon. À porta esperam-no Dijou, operário, chefe de oficinas, e sua esposa.
Este é, na História, o primeiro encontro de dirigentes espíritas. Dijou encontra-se à testa do grupo lionês; Kardec desempenha as funções maiores na “Societé” parisiense. A mão do emérito pensador aperta vigorosamente os dedos calosos e ásperos do companheiro, a quem chama “irmão”. No olhar grave que trocam vê-se que mutuamente se entendem: embora em planos diferentes, suas responsabilidades se equivalem.
Transpostos os portais, o coração de Kardec se rejubila. O “milagre” a que tantas vezes já fizera menção, sempre com arrebatamento e orgulho, o grande feito que compete à doutrina espírita realizar, consubstancia-se ali, ante seus olhos; e é um mentor espiritual, Erasto, em sublime epístola dirigida à comunidade lionesa, quem vai encontrar palavras para vestir a emoção do Codificador: "Não podeis imaginar quanto nos é doce e agradável presidir ao vosso banquete,  onde o rico e o operário se abraçam,  bebendo  à fraternidade!”.
Kardec dirige-se à tribuna singela e o Centro Espírita de Broteaux, pelo futuro em fora, será lembrado como o local da pira. Ali é aceso o fogo sagrado que empunharão, através dos séculos, todos aqueles que se compromissaram, mesmo ao preço de injúrias, suor e lágrimas, a divulgar as glórias do Espiritismo pela bênção da palavra. (...)
No outono de 1862 deixa Paris para sua terceira viagem de propaganda espírita. Esta será a mais extensa a ser feita em toda a sua vida e se alongará até Bordeaux. Precisa constatar o processo de fermentação. O mundo do homem encarnado era um mundo enfermo que se tentava analisar dentro dos quadros da psicologia ou da filosofia. Mas tudo aquilo era susceptível de mais de uma explicação. 
Os conceitos contidos em Viagem Espírita em 1862 continuam atuais e fundamentais à conduta dos espíritas 
Kardec preparou, com zelo habitual, o material de sua oratória e, de fato, o seu tema de eleição está, melhor do que nunca, expresso no legado dessa viagem.
Tudo quanto vai dizer é fruto de uma experiência pessoal. Essa experiência caminha para nós e a voz que a expressa, apesar dos anos, nada tem de debilidade. Entre o homem e sua felicidade, ergue-se a Sombra, a terrível paixão: o Egoísmo. Isto é uma espécie de grito que precisa ser mil vezes repetido, até que o grande obstáculo, a Sombra, seja reconhecida como o pior dos inimigos. Enquanto isso não se faça todos estaremos excluídos da felicidade que desejamos partilhar. (...)
André Moreil, o mais recente biógrafo de Kardec, comenta a “Viagem Espírita em 1862” nos seguintes termos: “Essa grande viagem foi, mais tarde, publicada em obra especial, que se tornou auxiliar indispensável aos grupos espíritas, tanto no que concerne à doutrina, quanto no que diz respeito à organização e administração das sociedades espíritas”.
Cremos que este livro não foi, até o momento, editado em língua portuguesa. Lançamo-lo não apenas por sua alta qualidade doutrinária, mas ainda como uma adesão da “Casa de Cairbar Schutel” às comemorações do 1º Centenário de Desencarne de Allan Kardec, ocorrido em 1869.
Os conceitos nele contidos são tão atuais e frescos, tão fundamentais à boa conduta das entidades espíritas, que poderiam ter sido escritos em 1962. O leitor arguto e atento fará aqui mil descobertas de transcendental valor. Cem anos transcorridos, as instruções de Kardec são ainda perfeitamente aplicáveis e uma garantia para a pureza doutrinária. Caracterizam-se pela firmeza, lucidez e responsabilidade. Finalmente, o seu curioso modelo de Regulamento, o antepassado dos atuais estatutos das sociedades espíritas, é um exemplo de ponderação, de repulsa ao misticismo e uma revelação de alto espírito universalista.
A “Viagem Espírita em 1862” é obra em que, de singular maneira, o “homem” Allan Kardec se nos revela com sua consciência histórica e, em súbitos clarões, permite que o vejamos bem próximo de nós, o ser que já realizou o que intentamos, isto é, a substancial reforma interior que, só ela, possibilita a mágica interação: a criatura vivendo no Espiritismo, o Espiritismo vivendo na criatura”.’
Nada mais ousamos acrescentar. O texto é por demais oportuno para graves reflexões.


                                                


Para expressar sua opinião a respeito desta matéria, preencha e envie o formulário abaixo.
Seu comentário poderá ser publicado na seção de cartas de uma de nossas futuras edições.
 
 
Nome:
E-mail:
Cidade e Estado:
Comentarios:
 

 
 


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário