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LIBERDADE E COMPROMISSO | |||
André Gonçalves Fernandes | |||
De pouco serve a liberdade a um homem que careça de valores ou de ideais e, menos ainda, a quem tenha medo de comprometer-se. Não há dúvida de que o homem moderno está inseguro de seus ideais e nada disposto a se comprometer, já que a alteridade tem um preço: o de vencer a si e ao egoísmo. A liberdade é um bem de nenhuma serventia para alguém que pense que a vida termina num caixão de carvalho francês e que o ato de escolha entre esta ou aquela opção, por si só, acarrete um sofrimento invencível. Camus sentenciou que só há uma verdade, uma verdade fácil de entender e difícil de aceitar: os homens morrem e não são felizes (in Calígula, Paris, sem data, p.41, tradução livre). Se isso fosse verdadeiro, melhor abandonar nossa liberdade à própria sorte e seguir o conselho do mesmo autor existencialista – a vida, esta palhaçada sem sentido, torna estúpido tudo o que rodeia o homem (in Sartre, J.P., Prólogo “O Estrangeiro”, de Camus, A., Rio de Janeiro, 1959, p.32). Sem dúvida, o problema das frustrações existenciais reside no fato de que a escolha se deu entre coisas sem valor. Mesmo com mais liberdade hoje, se o mundo abandonou seus marcos de valor, para que tanta liberdade, sobretudo sem o ideal de compromisso? Quando, daqui a muitos anos, algum estudioso se debruçar na análise do comportamento existencial do homem atual, certamente concluirá, com tristeza, que, apesar de abertos todos os caminhos, de varridos todos os entulhos totalitários, dos mais variados matizes, que entulhavam essas vias, ao mesmo tempo, a convicção predominante era a de que tais caminhos que não levavam a parte alguma. Eis o paradoxo: todas as sendas estão à disposição do homem e, no fundo, ele tem medo de escolher uma dentre elas ou sequer tentar fazê-lo. Quando muito, se ensaiam uns passos por determinado caminho e, logo, se está inclinado a retroceder por tédio ou por cansaço para, depois, experimentar outro caminho (outro trabalho, outro homem, outra mulher, outra vida) e outro depois de outro... O homem contemporâneo contempla com tanto receio a possibilidade de se comprometer, que se corre o risco de paralisar, voluntariamente, seu poder de escolha e sua própria liberdade ao cabo. Escolher é comprometer-se. Toda a escolha é um compromisso. Em razão disso, aqueles que têm pavor de escolher ou se limitam a tentativas abandonadas rapidamente, contradizem e anulam a sua própria liberdade. O homem moderno está na junção de várias veredas, mas, enquanto tiver medo de se comprometer, ficará estagnado na encruzilhada. Esta paralisia da liberdade, que torna o homem incapacitado de optar, de maneira segura e duradoura, por qualquer coisa que lhe imponha um certo sacrifício, já não é a simples dificuldade decorrente do poder de escolha, porém o estorvo que deriva do singelo fato de que a adoção de uma alternativa implica a exclusão de todas as demais. Não significa que falte ao homem a liberdade: é uma consequência inevitável de nossa natureza finita, desde sempre, que não pode abarcar a tudo e a todos. Quando se resolve casar, escolhe-se uma mulher e, logo, excluem-se todas as outras. No tempo de meus pais, a maioria preferia enfrentar o dilema, logo ou depois, mesmo ciente de que o compromisso era duradouro. Era melhor lançar-se no risco a permanecer indeciso – e sozinho – diante do risco. Hoje, as pessoas estão abertas ao matrimônio, mas condicionando-o a uma cláusula implícita que permita o divórcio. Prova de uma arraigada desconfiança e do temor de comprometer-se, o que significa, em última instância, medo do amor. O excesso de publicidade reinante não ajuda o compromisso, pois tudo parece ter qualidades incríveis e acreditamos no valor real de muito pouco. Todavia, no caso da liberdade, o débito relativo a esta desconfiança não pode ser lançado na conta dos publicitários. Deve ser registrado na caderneta que cada um tem na mercearia da vida. Abusamos das coisas boas criadas, que chegamos ao ponto de desvirtuá-las e já não nos levam à felicidade. Se já não confiamos nelas, é porque, de tanto deturpá-las, convertemo-las em algo para o qual nunca foram feitas. A liberdade sempre representou uma probabilidade de perigo para o ser humano, derivando daí seu atributo de princípio de indeterminação. Contudo, ao mesmo tempo, é uma dádiva, porque, graças a ela, o homem conhece o amor e o compromisso. | Veja também: | ||
André Gonçalves Fernandes, nascido em 1974, é Juiz de Direito da 2ª Vara Cível e de Família da Comarca de Sumaré/SP. Graduado, no ensino fundamental e médio, pelo Colégio Visconde de Porto Seguro em 1991. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1996. Atua como magistrado desde 1997. Articulista do Correio Popular de Campinas e da Escola Paulista da Magistratura desde 2002. É membro da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas/SP desde 2008 e professor do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) desde 2011. Fala inglês, francês, italiano e alemão. Casado e pai de 4 filhos. É torcedor do São Paulo Futebol Clube. E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br Publicado no Portal da Família em 25/11/2011 |
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