terça-feira, 27 de março de 2012

O NORMAL É SEMPRE LÍCITO E MORAL?

Dr. André Gonçalves Fernandes


André Gonçalves Fernandes
O que é freqüente é normal? E o que é normal é necessariamente lícito? Eis uma das inúmeras questões da moralidade coletiva deste século. A moral é um assunto de foro particular e, portanto, relacionada ao indivíduo.
O homem, contudo, vive em sociedade e, indissoluvelmente, tem uma vida individual encadeada com a vida coletiva, e, por consequência, a vida moral está condicionada (e não determinada) naturalmente pela situação social em que se vive, pelo conjunto de usos e costumes, de regras e pressões sociais.

Diante da natureza pessoal da moral, o fator categórico é a liberdade: o homem é dotado de responsabilidade, o homem realiza sua vida, mas, evidentemente, na medida em que as circunstâncias o consentem. Todavia, o projeto é próprio. Cada qual vislumbra seus projetos de vida e tenta realizá-los, mas sob o influxo das inumeráveis circunstâncias sociais.

A liberdade, sempre fundamental e decisiva, faz também com que o homem seja responsável por seus atos: eu sou responsável, não pelo conteúdo último da minha vida nem por aquilo que me afeta do exterior, mas sim por aquilo que escolho, prefiro e decido dentro das possibilidades. Eu sou eu mais minhas circunstâncias.

O homem atual é afetado por uma série de interpretações da realidade que, muitas vezes, têm uma conotação moral. Surgem modos de vida e de família, de relacionamento humano e de ética política, que são, sob certo ângulo de vista, juízos valorativos, favoráveis ou desfavoráveis conforme o caso concreto e, não raro, apresentam-se como normais só porque são frequentes.

Penso que esta identificação emerge com algum perigo: considerar o frequente como normal, o normal como lícito e o lícito legalmente como se fosse moral. A conclusão nem sempre é válida. Pode haver situações frequentes que não são normais. Pode haver conjunturas normais, mas que, apesar disso, nem por isso são lícitas. Pode haver coisas lícitas legalmente, porém que não o são moralmente.
Lembre-se que a palavra “moral” deriva do substantivo latino “moris”, que significa costume. Ou seja, os costumes têm um caráter moral, vivem-se como algo que tem condição moral e, evidentemente, a moral é afetada pelos costumes. Desde pequeno, sempre se ouve falar de “bons costumes” ou “maus costumes”, diante dos quais o homem, saliente-se, é sempre livre.

Em última análise, o homem pode acatar as infinitas vigências sociais ou resistir a elas, mas deve submetê-las ao ponderável. A vigência é algo dotado de força e, logo, devo sopesá-la, precisamente porque exerce pressão. No entanto, no final das contas, sempre posso recusar ou aceitar, com veemência ou mesmo frouxamente. Não se trata de tarefa fácil e, na prática, a vida coletiva fica influenciada por este sistema de pressões.

Quando se age de acordo com os bons costumes, eles criam, em suma, hábitos. Em razão disso, não se circunscrevem a fazer bons cidadãos do ponto de vista da conduta externa, o que se dá por intermédio das leis. Também influenciam a moralidade do homem, ao contribuir para formar virtudes.

No terreno da moral, sendo a vida social uma realidade moral, a boa ação só é alcançada pelo hábito das potências humanas especificamente pessoais: prudência, em relação à razão prática, e justiça, fortaleza e temperança, por parte da vontade. O homem não tem outro modo de agir neste campo.

Como a maioria das virtudes não são inatas, mas adquiridas pela repetição de atos, as leis, compelindo a agir segundo uma virtude, acabam conseguindo que quem as obedece alcance as virtudes correspondentes. O motorista que cumpre o Código de Trânsito assume, com o tempo, o hábito de dirigir prudentemente, respeitando a si e aos outros condutores e pedestres.Eis um importante aspecto das relações entre o lícito legalmente e a moral.

As leis não são indiferentes no que toca à formação e ao comportamento morais do homem. Pelo contrário, influem neles intensamente, contribuindo, de modo notável, para dotar com maior vigor os bons costumes.

Separar em categorias estanques o normal, o lícito e o moral, como se fossem mundos isolados e sem relação mútua, supõe uma concepção adulterada da realidade. Hoje, é propagada pelos defensores dessa utopia que chamam de Estado moralmente neutro, assunto já abordado em outros artigos.

As condutas frequentes, tidas como normais, quando em desacordo objetivamente com o lícito legal ou até mesmo a moral, afetam a ordem humana de maneira danosa, pois maculam o efeito proporcionado pelas ações praticadas segundo aqueles ditames.

Na ordem humana, o homem tende a agir segundo as virtudes ou os correspondentes vícios. Por isso, o normal, o lícito e o moral caminham sempre de mãos dadas. Pretender uma postura dissonante é cair no mais puro irrealismo. Não existe alternativa. Como canta Bono Vox, vocalista da minha banda predileta, na faixa que dá o nome ao seu recente álbum, “no, no line on the horizon, no, no line”.


Cabeça em dúvida: normal é moral?



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André Gonçalves Fernandes, nascido em 1974, é Juiz de Direito da 2ª Vara Cível e de Família da Comarca de Sumaré/SP. Graduado, no ensino fundamental e médio, pelo Colégio Visconde de Porto Seguro em 1991. Bacharel e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1996 e 1999. Atua como magistrado desde 1997. Articulista do Correio Popular de Campinas e da Escola Paulista da Magistratura desde 2002. É membro da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas/SP desde 2008 e professor do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) desde 2011. Mestrando em Filosofia e História da Educação pela Universidade de Campinas desde 2012. Fala inglês, francês, italiano e alemão. Casado e pai de 4 filhos. É torcedor do São Paulo Futebol Clube.
Publicado no Portal da Família em 24/02/2012
 
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