sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A raiz da violência



No dia 1º de janeiro de 1862, em sua residência em Hauteville-House, Guernesey, o escritor francês Victor Hugo (1802-1885), escreveu no preâmbulo de sua magnífica obra “Os Miseráveis”, o seguinte: “Enquanto existir, fundamentada nas leis e nos costumes, uma condenação social que crie artificialmente, em plena civilização, verdadeiros infernos, ampliando com uma fatalidade humana o destino, que é divino; enquanto os três problemas deste século, a degradação do homem no proletariado, o enfraquecimento da mulher pela fome e a atrofia da criança pela escuridão da noite, não forem resolvidos; enquanto, em certas regiões, a asfixia social for possível; em outros termos, e sob um ponto de vista ainda mais abrangente, enquanto houver sobre a Terra ignorância e miséria, os livros da natureza deste poderão não ser inúteis”.

O romance supradito – “Les Misérables”, em francês – narra a situação política e social da França na época da “Insurreição Democrática” ou “Revolução de 1830”, no reinado de Luís Filipe I, de França, contando a história da personagem principal da trama, Jean Valjean, cujo calvário teve início em 1795, quando foi preso e condenado, inicialmente a cinco anos de prisão, cumpridos a partir de 1796, por roubar apenas um pão. Suas repetidas tentativas de fuga levam-no a uma condenação final de dezenove anos de pena, parte deles cumpridos nas galés.

Fazemos essa referência para tentarmos, a exemplo de tantos outros, entender as causas da violência, principalmente da “violência urbana”, que se instalou em nosso País – para ficarmos apenas nele – a partir de um momento não identificado no calendário dos acontecimentos mais recentes, pois a meu ver não temos um ponto de referência do “quando” essa onda começou a se derramar sobre as praias do nosso cotidiano, incluindo-nos no indesejável grupo das sociedades mais violentas do Planeta.

Conforme Valvim M. Dutra, no seu livro “Renasce Brasil”, inspirado na ética bíblica, a violência pode ser classificada em três grupos distintos, a saber: a) violência urbana – a que é praticada nas ruas, tais como assaltos, roubos, sequestros, assassínios, extermínios etc.; b) violência doméstica ou familiar –  é aquela praticada no ambiente do próprio lar, e c) violência contra a mulher – aquela em que o agressor é o marido, namorado ou ex-companheiro.

Aquele autor esposa a tese de que as injustiças e os afrontamentos são as fontes geradoras dos desejos de vingança que se concretizam nas agressões, nos roubos, nos assaltos e nos homicídios, e de que a irreverência e a libertinagem incitam o comportamento vulgar e o desrespeito que geralmente deságuam em fatos violentos. Nos dias presentes tornou-se corriqueira a ocorrência até mesmo de assassinatos provocados por situações banais, como, por exemplo, negar-se um cigarro a um desconhecido ou revidar uma pequena ofensa com um palavrão. 
“Educai as crianças para que não seja necessário
punir os adultos”
 
Valvim considera que os mais diferentes tipos de desrespeito, tais como o desrespeito econômico, o desrespeito social, o desrespeito conjugal, o desrespeito familiar e a má educação são os principais móveis dos constrangimentos físicos ou morais. Assim, conforme ele, o antídoto desses desvios é simplesmente o respeito. Agindo-se com o máximo de respeito com quem quer que seja e em quaisquer situações, conjura-se a violência. Dessa forma, é útil que os diferentes estamentos governamentais e os três Poderes constituídos da Nação estimulem entre os seus concidadãos relacionamentos ancorados na Justiça, na Ética e na bondade das ações, coibindo a corrupção e punindo exemplarmente corruptos e corruptores, adotando providências para minimizar o desemprego, a pobreza, as desigualdades sociais e a ineficiência pública. Acrescenta que o excesso de “liberdades” observado tanto no sistema educativo, quanto e principalmente nos programas televisivos, necessita ser revisto. Os adolescentes devem ser orientados com mais realismo e não com direitos insensatos, causadores da rebeldia, da prepotência e do desrespeito. A vulgaridade, as cenas de violência e tantos outros exemplos de desvio de conduta praticados por personagens fictícias ou reais e exibidos principalmente pelos nossos principais canais da “televisão aberta” corroem os valores morais e contribuem significativamente para que a nossa juventude, estimulada por esses exemplos, se torne irresponsável, imprudente, desrespeitosa e, sobretudo, inconsequente.

Hemos de ser conformes com as afirmações do autor de “Renasce Brasil”. Aduzimos que a violência é apenas um dos frutos da má educação ou da ausência ou ineficiência dessa mesma educação. “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos.” Este provérbio milenar do filósofo grego Pitágoras encerra a importância da educação para a formação moral e intelectual da Humanidade.

Da introdução da obra “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”, escrita em 1908 pelo francês Léon Denis (1846-1927), discípulo de Allan Kardec (1804-1869) e que entregou as potências de sua alma à causa do estudo e da divulgação da Doutrina Espírita, extraímos alguns trechos que dizem verdades incontestáveis e que bem se prestam ao tema objeto do que ora tratamos, porque são tão atuais como se tivessem sido escritas neste início do século XXI. 

Acerca da deficiência do ensino e da educação na França de sua época (e que é o espelho do Brasil de hoje) e da necessidade da espiritualização do homem para contrapor-se aos males morais que corroem a Humanidade, ele assim se exprime: “... o ensinamento ministrado pelas instituições humanas em geral – religiões, escolas, universidades – se nos ensinam muitas coisas supérfluas, em compensação não nos ensinam quase nada do que mais temos necessidade de conhecer para a nossa conduta: a direção da existência terrestre e a preparação para o além”.  
O ensino clássico busca ornar a inteligência,
mas não ensina a amar
 
“(...) Nos meios universitários, uma completa incerteza ainda reina sobre a solução do problema mais importante com que o homem se defronta no decorrer de sua passagem pela Terra. Essa incerteza se reflete em todo o ensino. Uma boa parte dos professores e pedagogos afasta sistematicamente de suas lições tudo o que se refere ao problema da vida, às questões de seu objetivo e finalidade.

Em rigor, na universidade, assim como na Igreja, modernamente a alma encontra somente obscuridade e contradição em tudo que diz respeito ao problema de sua natureza e de seu futuro. É a esse estado de coisas que é preciso atribuir, em grande parte, os males de nosso tempo: a incoerência das ideias, a desordem da consciência, a anarquia moral e social.

A educação dispensada às gerações é complicada: não lhes esclarece o caminho da vida e não as estimula para as lutas da existência.

O ensino clássico habilita a cultivar, a ornar a inteligência, mas não ensina a agir, a amar, a se dedicar nem a alcançar uma concepção do destino que desenvolva as energias profundas do eu e oriente nossos impulsos, nossos esforços, para um objetivo elevado. No entanto, essa concepção é indispensável a todo ser, a toda sociedade, porque é o sustentáculo, a consolação suprema nas horas difíceis, a fonte das virtudes atuantes e das altas inspirações.

Não se pode confessar mais francamente: a filosofia da escola, após tantos séculos de estudo e trabalho, ainda é apenas uma doutrina sem luz, sem calor, sem vida. A alma de nossos filhos, sacudida entre sistemas diversos e contraditórios – o positivismo de Augusto Comte, o naturalismo de Hegel, o materialismo de Stuart Mill, o ecletismo de Cousin etc. –, flutua incerta, sem ideal, sem um objetivo preciso.

Daí o desânimo precoce e o pessimismo desanimador, doenças das sociedades decadentes, ameaças terríveis para o futuro, às quais se acrescenta o ceticismo amargo e zombeteiro de tantos jovens que acreditam apenas no dinheiro e honram apenas o sucesso.

O ilustre professor Raoul Pictet assinala esse estado de espírito na introdução de sua última obra sobre as ciências psíquicas.

Ele fala do efeito desastroso produzido pelas teorias materialistas sobre a mentalidade de seus alunos e conclui assim: ‘ Esses pobres jovens admitem que tudo o que se passa no mundo é efeito necessário e fatal de condições primárias, em que a vontade não intervém. Consideram que sua própria existência é, forçosamente, joguete da fatalidade inevitável, à qual estão ligados, de pés e mãos atados. Esses jovens param de lutar logo que encontram as primeiras dificuldades. Não acreditam mais em si mesmos. Tornam-se túmulos vivos, onde guardam, confusamente, suas esperanças, seus esforços, seus desejos, fossa comum de tudo o que lhes fez bater o coração até o dia do envenenamento. Tenho visto esses cadáveres diante de suas carteiras e no laboratório, e têm-me causado pena’. 
A origem de todos os nossos males está em
nossa inferioridade moral
 
Tudo isso não é somente aplicável a uma parte de nossa juventude, mas também a muitos homens de nosso tempo e de nossa geração, nos quais podemos constatar um sintoma de cansaço moral e de abatimento.

F. Myers também o reconhece: ‘Há como que uma inquietude, um descontentamento, uma falta de confiança no verdadeiro valor da vida. O pessimismo é a doença moral de nosso tempo’.

(...) É preciso preparar os Espíritos para as necessidades, os combates da vida atual e das vidas futuras; é preciso, sobretudo, ensinar o ser humano a se conhecer, a desenvolver, em vista de seus objetivos, as forças latentes que nele dormem.
A perturbação e a incerteza que verificamos no ensino repercutem e se encontram, como dissemos, em toda ordem social.

Por toda a parte, há um estado de crise inquietante. Sob a superfície brilhante de uma civilização refinada, esconde-se um mal-estar profundo. A irritação cresce nas classes sociais. O conflito de interesses, a luta pela vida tornam-se, dia a dia, mais ásperos. O sentimento do dever tem-se enfraquecido na consciência popular a tal ponto que muitos homens nem mesmo sabem onde está o dever, eles se escondem e afastam de si toda responsabilidade.(...) Nenhuma obra humana pode ser grande e durável se não se inspirar, na teoria e na prática, em seus princípios e em suas aplicações, nas leis eternas do Universo. Tudo o que é concebido e edificado fora das leis superiores se constrói na areia e afunda.

(...) A origem de todos os nossos males está em nossa falta de saber e em nossa inferioridade moral. Toda sociedade permanecerá fraca e dividida enquanto a desconfiança, a dúvida, o egoísmo, a inveja e o ódio a dominarem. Não se transforma uma sociedade por meio das leis. As leis e as instituições não seriam nada sem os costumes, sem as crenças elevadas.

(...) Para melhorar a forma de uma sociedade, sendo ela o resultado das forças individuais, boas ou más, é preciso agir inicialmente sobre a inteligência e a consciência dos indivíduos.

(...) Não se procura outra coisa a não ser conquistar direitos.
Entretanto, o gozo dos direitos não pode ser obtido sem a prática dos deveres. O direito sem o dever, que o limita e o corrige, produz apenas novas aflições, novos sofrimentos.

(...) Esse é o estado atual da sociedade. O perigo é imenso e se alguma grande renovação espiritualista e científica não se produzisse, o mundo acabaria na incoerência e na confusão.

Nossos homens de governo já sentem o que lhes custa viver numa sociedade em que as bases essenciais da Moral estão abaladas, em que as leis são brandas, frágeis ou superficiais, em que tudo se confunde, até mesmo a noção elementar do Bem e do Mal. 
Os dirigentes da Humanidade têm um dever
imediato a cumprir
 
(...) A tarefa a cumprir é grande, e a educação do homem deve ser totalmente refeita. Essa educação, como vimos, nem a universidade nem a Igreja estão em condições de fornecer, uma vez que não possuem mais as sínteses necessárias para esclarecer a marcha das novas gerações. Apenas uma doutrina pode oferecer essa síntese: a do Espiritismo; ela já sobe no horizonte do mundo intelectual e parece iluminar o futuro.

(...) A Educação, sabemos, é o fator mais poderoso do progresso; ela contém a origem do futuro. Mas, para ser completa, deve se inspirar no estudo da vida sob suas duas formas alternantes, visível e invisível, em sua plenitude, em sua evolução crescente em direção aos cimos da natureza e do pensamento.

(...) Os mestres dirigentes da Humanidade têm um dever imediato a cumprir. É o de recolocar o Espiritualismo na base da Educação, de trabalhar para refazer o homem interior e a saúde moral.

(...) Enquanto as escolas e as academias não o tiverem introduzido em seus programas, nada terão feito pela educação definitiva da Humanidade.

(...) Nosso dever é o de traçar o caminho à Humanidade futura da qual ainda faremos parte integrante, como nos ensina a comunhão das almas, a revelação dos grandes instrutores invisíveis, do mesmo modo que a Natureza ensina, por seus milhares de vozes e pela renovação eterna de todas as coisas, àqueles que sabem estudá-la e compreendê-la.

Vamos rumo ao futuro, rumo à vida sempre renascente, pelo caminho imenso que nos abre o Espiritismo!

Tradições, ciências, filosofias, religiões, iluminai-vos com uma chama nova; sacudi vossos velhos sudários e as cinzas que os cobrem. Escutai as vozes reveladoras do túmulo, elas nos trazem uma renovação do pensamento com os segredos do além, que o homem tem necessidade de conhecer para melhor viver, melhor agir e melhor morrer!”

Conforme nos ensina Allan Kardec (questão 872, parte 3ª, capítulo X, de “O Livro dos Espíritos”), a Educação somente combaterá utilmente as nossas más tendências (entre elas a violência) quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Ou seja, a educação intelectual, dissociada da educação moral, será incapaz de sozinha combater e vencer os males morais que afligem a Humanidade.

Fonte: O Consolador uma Revista Semanal de Divulgação da Dourína Epírita
 

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