Carlos Alberto Di Franco
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A sociedade
assiste, assombrada, a uma escalada de crimes ocorridos no âmbito de
famílias de classe média. Transformou-se o crime familiar em pauta
ordinária das editorias de polícia. O inimigo já não está somente nas
esquinas e vielas da cidade sem rosto, mas dentro dos lares. Mudam os
personagens, mas as histórias de famílias destruídas pelo ódio e pelas
drogas se repetem. A violência não se oculta sob a máscara anônima da
marginalidade. Surpreendentemente, vítimas e criminosos assinam o mesmo
sobrenome e estão unidos pela indissolubilidade do DNA.
A
multiplicação dos crimes em família tem deixado a opinião pública em
estado de choque. Paira no ar a mesma pergunta que Fellini pôs na boca
de um dos personagens do seu filme Ensaio de Orquestra, quando,
ao contemplar o caos que tomara conta dos músicos depois da destituição
do maestro, pergunta, perplexo: “Como é que chegamos a isto?” A
interrogação está subjacente nas reações de todos nós, caros leitores,
que, atordoados, tentamos encontrar resposta para a escalada de maldade
que tomou conta do cotidiano.
A
tragédia que tem fustigado algumas famílias aparece tingida por marcas
típicas da atual crônica policial: uso de drogas, dissolução da família e
crise da autoridade. Não sou juiz de ninguém. Mas minha experiência
profissional indica a presença de um elo que dá unidade aos crimes que
destruíram inúmeros lares: o esgarçamento das relações familiares. Há
exceções, é claro. Desequilíbrios e patologias independem da boa vontade
de pais e filhos. A regra, no entanto, indica que o crime hediondo
costuma ser o dramático corolário de um silogismo que se fundamenta nas
premissas do egoísmo e da ausência, sobretudo paterna. A desestruturação
da família está, de fato, na raiz da tragédia.
Se
a crescente falange de jovens criminosos deixa algo claro, é o fato de
que cada vez mais pais não conhecem os seus filhos (e filhos também não
se interessam por seus pais e avós). Na falta do carinho e do diálogo,
os jovens crescem sem referencias morais e âncoras afetivas. Recebem
boas mesadas, carros e viagens. Mas, certamente, trocariam tudo isso
pela presença dos pais. Sua resposta é uma explosiva combinação de
revolta e ódio. Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações nos
meandros das patologias mentais. Podem ter razão. Mas nem sempre.
Independentemente dos possíveis surtos psicóticos, causa imediata de
crimes brutais, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos
técnico, mas mais cruel: a desumanização das relações familiares. O
crime intra e extra lar medra no terreno fertilizado pela ausência. O
uso das drogas, verdadeiro estopim da loucura final, é, frequentemente, o
resultado da falência da família.
A
ausência de limites e a crise da autoridade estão na outra ponta do
problema. Transformou-se o prazer em regra absoluta. O sacrifício, a
renúncia e o sofrimento, realidades inerentes ao cotidiano de todos nós,
foram excomungados pelo marketing do consumismo alucinado. Decretada a
demissão dos limites e suprimido qualquer assomo de autoridade (dos
pais, da escola e do Estado), sobra a barbárie. A responsabilidade,
consequência direta e imediata dos atos humanos, simplesmente evaporou.
Em todos os campos. O político ladrão e aético não vai para a cadeia.
Renuncia ao mandato. O delinquente juvenil não responde por seus atos. É
“de menor”.
Certas
teorias no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram uma
opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um
amargo resultado. Uma legião de desajustados, crescida à sombra do dogma
da educação não traumatizante, está mostrando a sua face perversa. Ao
traçar o perfil de alguns desvios da sociedade norte-americana, o
sociólogo Christopher Lach (autor do livro A Rebelião das Elites)
sublinha as dramáticas consequências que estão ocultas sob a aparência
da tolerância: “Gastamos a maior parte da nossa energia no combate à
vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo
mesmas.” O saldo é uma geração desorientada e vazia. A despersonalização
da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de
superpredadores. O inchaço do ego e o emagrecimento da solidariedade
estão na origem de inúmeras patologias. A forja do caráter, compatível
com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de
solução válida. A pena é que tenhamos de pagar um preço tão alto para
redescobrir o óbvio.
O
pragmatismo e a irresponsabilidade de alguns setores do mundo do
entretenimento estão na outra ponta do problema. A valorização do
sucesso sem limites éticos, a apresentação de desvios comportamentais
num clima de normalidade e a consagração da impunidade têm colaborado
para o aparecimento de mauricinhos do crime. Apoiados numa manipulação
do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de
TV crescem à sombra da exploração das paixões humanas.
As
análises dos especialistas e as políticas públicas esgrimem inúmeros
argumentos politicamente corretos. Fala-se de tudo. Menos da crise da
família e da demissão da autoridade. Mas o nó está aí. Se não tivermos a
coragem e a firmeza de desatá-lo, assistiremos a uma espiral de
crueldade sem precedentes. É só uma questão de tempo. Já estamos ouvindo
as primeiras explosões do barril de pólvora. O horror dos lares
destruídos pelo ódio não está nas telas dos cinemas. Está batendo às
portas das casas de um Brasil que precisa resgatar a cordialidade
captada pela poderosa lente de Sérgio Buarque de Holanda (o pai do
Chico) no seu memorável Raízes do Brasil.
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Fonte: www.iics.edu.br
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS (www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com).
E-mail: difranco@iics.org.br
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Publicado no Portal da Família em 16/12/2012 |
sábado, 29 de dezembro de 2012
Apagão da família
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