Estava aqui refletindo sobre as muitas rivalidades que surpreendemos no Movimento Espírita e lembrei de voltar a Allan Kardec, em O LIVRO DOS MÉDIUNS, quando trata, com sua incomum lucidez, da “Rivalidade entre as Sociedades”. Dito nas palavras de hoje, “Rivalidade entre os Grupos Espíritas”.
Na sua época, uma divisão singular se estabelecia: os grupos que cuidavam, de preferência, das manifestações inteligentes, e os que se detinham nas manifestações físicas. O curioso é que cada um pretendia estar com a verdade, como se a sua opção excluísse a outra e, mesmo, deslegitimasse o interesse dos outros grupos.
Dadas as discórdias e os ataques lançados por uns sobre os outros, Kardec pondera:
<Os grupos que se ocupam exclusivamente com as manifestações inteligentes e os que se entregam ao estudo das manifestações físicas têm cada um a sua missão. Nem uns, nem outros se achariam possuídos do verdadeiro espírito do Espiritismo, desde que não se olhassem com bons olhos; e aquele que atirasse pedras em outro provaria, por esse simples fato, a má influência que o domina.> (OLM, p. 519)*
Atualmente, vemos tais conflitos materializados em outros aspectos, tais como: reuniões mediúnicas abertas ou fechadas, ter ou não ter desobsessão, fazer ou não fazer reuniões de cura, promover ou não promover pintura mediúnica... Os pontos de divergências mudaram, haja vista que quase ninguém mais se ocupa com as manifestações físicas – materializações, mesas girantes e outros –, mas a nossa pequenez se conserva exatamente a mesma: queremos destruir o outro que, embora abrace a nossa mesma causa, pensa, sente e vive seus postulados de forma diferente.
E porque “nossos olhos não são bons”, tendemos a olhar o outro com as mazelas que impregnam o nosso olhar, desprezando-o por ser, simplesmente, diferente. E porque nossas mãos permanecem sendo “motivos de escândalo”, ao invés de as arrancarmos, lançando-as fora, permanecemos atirando pedras nesse mesmo outro, não compreendendo que ser humano é ser diferente, e que todos somos iguais nessa fatalidade. E porque não conseguimos – às vezes não queremos – agir de modo “diferente”, continuamos provando, “por esses simples fatos”, que somos verdadeiramente dominados por uma péssima influência: nossa visão tacanha e medíocre da proposta espírita e cristã.
Enquanto brigamos e acusamos, na tentativa de destruir o outro sob o manto da “defesa da verdade”, Kardec permanece nos advertindo, lembrando aquilo com que nos devemos verdadeiramente ocupar:
<Todos devem concorrer, ainda que por vias diferentes, para o objetivo comum, que é a pesquisa e a propaganda da verdade. Os antagonismos, que não são mais do que efeito de orgulho superexcitado, fornecendo armas aos detratores, só poderão prejudicar a causa, que uns e outros pretendem defender.> (OLM, p. 519-520)*
E aí temos um diagnóstico perfeito: no fundo e no raso, nossos antagonismos tão somente revelam a superexcitação do nosso orgulho, da tola pretensão de superioridade, da doce ilusão de sermos “donos da verdade”. Perdemos o “objetivo comum, que é a pesquisa e a propaganda da verdade”, para municiar os detratores com as nossas disputas de ego, na tentativa vã e tola de estabelecer, aqui ou ali, o templo do “verdadeiro Espiritismo”.
A quem estaremos servindo, a Deus o a Mamom?
* Trechos retirados da 49º edição de O livro dos médiuns, publicada pela FEB.
Advogado.
Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professor
Auxiliar de Direito Penal e Processual Penal da Universidade do Estado do Bahia.
Escritor e expositor espírita. Trabalhador do Núcleo Espírita Telles de Menezes,
de Salvador, Bahia.
Escreveu
os livros "Yvonne Pereira: uma heroína silenciosa" e "Devassando a mediunidade";
organizou o livro "Pelos caminhso da mediunidade serena"; mediunicamente, o
Espírito Bento José escreveu, por seu intermédio, "Mente
Aberta.
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