domingo, 10 de fevereiro de 2013

A FINAL DE CONTAS, DEUS PERDOA?


Paulo da Silva Neto Sobrinho

(Parte 1)

“O amor de Deus é para sempre.” (Salmo 136)
Introdução 
Em palestras que proferimos, às vezes, fazíamos questão de perguntar ao público: “Deus perdoa?”, só para ver como as pessoas reagiriam diante de tão curioso questionamento. Invariavelmente a maioria dizia sim; nós afirmávamos que não, esperando um pouco para medir a reação (pura maldade, diria um amigo, mas se for, era com muito amor. rsrs), depois explicávamos o porquê de nós pensarmos assim.

Só após um longo e um bom tempo é que chegamos à conclusão de que Deus jamais perdoa, porquanto ele é “inofendível”, servindo-nos dessa palavra, ainda não dicionarizada, mas utilizada alhures por filósofos e estudiosos bíblicos.

Realmente, para Deus se ofender, seria preciso que existisse um ser que Lhe correspondesse em elevação e poder, o que, certamente, sabemos não existir. Ademais Ele teria que Se magoar com alguma coisa que Lhe fizéssemos; mas, obviamente, que no vocabulário divino não há essa palavra, que, aliás, não se coaduna com amor incondicional; visto que “O amor de Deus é para sempre” (Salmo 136), afirmação que, repetidas vezes, é recitada pelos hebreus, na grande ladainha de ação de graças por ocasião da Páscoa.

Por outro lado, das pessoas que disseram sim, as pouquíssimas que não entenderam a nossa explicação ainda não se deram conta do amor infinito que Deus nutre por cada uma de suas criaturas, de forma que Ele não nos vê senão como crianças que “não sabem o que fazem” (Lc 26,34), usando-nos dessa expressão de Jesus.
Não estranhe, caro leitor, dizermos que encontramos apoio bíblico para justificar essa nossa crença de que Deus não perdoa e nem há por que perdoar:
Jó 35,6-8: “Se você pecar, que mal estará fazendo a Deus? Se você amontoa crimes, que danos está causando para ele? E se você é justo, o que é que está dando a ele? O que é que ele recebe de sua mão? Sua maldade só pode afetar outro homem igual a você. Sua justiça só atinge outro ser humano como você”.

Acreditamos que Jó estava completamente correto, pois as nossas ações, sejam boas ou más, só atingem alguém como nós, jamais a Deus. Ademais, é oportuno lembrar que é o próximo, a quem ofendemos, que nos dará o seu perdão e não Deus, que nada tem a ver com a história. Entretanto, isso não significa que não tenhamos infringido a Lei de Amor, com a qual, um dia, ainda que decorram alguns séculos, haveremos de nos harmonizar. 

Como se vê o perdão 
Para entendermos como, geralmente, se vê o perdão divino é necessário fazermos uma simples comparação. Talvez o exemplo possa não ser o ideal, mas por falta de, no momento, conseguir elaborar um outro melhor, apresentamo-lo:

Raul, o farmacêutico da pequena cidade de Lagoa Azul, ainda preocupado com a notícia recebida, acorda meio sonolento, após uma noite mal dormida. Seu problema era: como iria conseguir o dinheiro para reformar o cômodo que lhe foi ofertado, no ponto mais comercial do que o que tinha, uma vez que, para mudar sua farmácia para lá, haveria de fazer uma reforma, visando adaptá-lo às exigências legais.

Ao café da manhã, conversando com a esposa, ela lhe sugeriu como alternativa viável que pegasse um empréstimo bancário. Era algo que havia pensado, mas não dissera nada, receoso de não ter o apoio de sua esposa para isso.

Resolvido, vai ao Banco e dirige-se à gerência, expondo que necessitava de uma certa quantia, que, embora não fosse muito alta, precisaria de uns seis meses para pagar. Como tinha bom conceito na instituição, não houve problema algum e seu empréstimo foi aprovado. Passa-se o tempo, Raul agora estava com sua farmácia bem localizada e as vendas iam, de certa forma, muito bem; porém, ainda não conseguira o dinheiro para pagar o banco, pois o que estava reservando para isso acabou sendo gasto com despesas hospitalares; sua esposa passara por sérios problemas de saúde, mas agora ela estava bem.

Vence-se o prazo, e Raul ainda não fora ao banco; o pobre estava envergonhado de não ter podido cumprir o acordado. E assim, escondido atrás dessa vergonha, passam-se três meses do vencimento, quando recebe uma carta do banco convidando-o a regularizar a situação.

Como não havia outro jeito, meio sem graça, foi ao banco, dirigindo-se à gerência. O gerente apertou o “santo” de Raul, que mais envergonhado ficou, mas ainda encontrou uma réstia de coragem para dizer ao gerente: “Meu caro, você me conhece muito bem, sabe perfeitamente que nunca deixei de honrar meus compromissos; foi por conta de um imprevisto que não pude pagar o empréstimo; porém, gostaria que, levando em consideração que sou bom cliente nessa instituição, você perdoasse essa minha dívida”.
O gerente só faltou cair da cadeira, diante de tão inusitado pedido, e como não podia atendê-lo, propôs a Raul que pagasse a quantia, acrescidas dos juros legais, em prestações, que ele podia escolher qual o valor que tinha condições de pagar mensalmente e aí, sim, ele, dentro das atribuições de gerente, poderia atendê-lo.

Raul, mentalmente, calculou e disse ao gerente que poderia pagar um certo tanto por mês, o que foi aceito, sem maiores problemas. Realmente, o nosso personagem Raul cumpriu esse novo acordo, pagando toda a dívida junto ao banco.

O que querem, em relação a Deus, é exatamente o que Raul pediu ao gerente, ou seja, que simplesmente lhe perdoasse a dívida. Ora, o gerente, jamais poderia fazer isso, até mesmo por questão de justiça, pois teria que fazer a todos os clientes e, aí, adeus banco... No que toca a Deus, o fato seria, no mínimo, um verdadeiro “adeus” à lei de amor e à lei de causa e efeito (Justiça). Porém, como o gerente do banco conhecia bem o seu devedor, fez-lhe a proposta de recebê-la ao longo de um determinado tempo e de acordo com a capacidade econômica de Raul. Isso para Raul foi a tábua de salvação.

Da mesma forma, “Deus jamais nos perdoará” as faltas que cometermos contra a Lei de Amor; mas de modo algum deixará de nos dar oportunidade de, em “suaves prestações”, buscarmos nos harmonizar com ela. Então, se querem admitir que Deus perdoa, tal é possível somente se entendermos esse perdão como sendo dando-nos Ele novas oportunidades para quitarmos nossos débitos.

Serve isso de aviso aos que querem o “céu” de graça, pois terão desagradáveis surpresas, quando do retorno à pátria espiritual. 

O ponto de vista do Espiritismo 
No Espiritismo temos como verdade a “Lei de Causa e Efeito” (que nós consideramos como princípio áureo de justiça), a qual, como sabemos, faz parte do rol de seus princípios fundamentais, que “exige” do infrator a reparação de tudo aquilo que fez infringindo a Lei de Amor. Na reparação, a misericórdia divina nos proporciona “pagar” pelo amor, fazendo o bem aos outros, ou “sofrer na própria pele” o mal praticado, visando, nesse caso, dar-nos melhores condições de avaliar a extensão das consequências do nosso ato, e, com isso, não mais praticá-lo no futuro.

Na Revista Espírita, junho de 1859, encontramos algo bem interessante. Trata-se do relato da sessão realizada em 25 de março na Sociedade Espírita de Paris, na qual foram feitas várias perguntas ao Espírito São Luís. Dentre elas destacamos esta: “Os brancos se reencarnam, algumas vezes, em corpos negros?”
Eis a resposta:

Sim, quando, por exemplo, um senhor maltratou um escravo, ele pode pedir para si, por expiação, viver num corpo de negro para sofrer, a seu turno, todos os sofrimentos que fez sentir e, por esse meio, avançar e alcançar o perdão de Deus. (KARDEC, 1993e, p. 163.) (grifo nosso)

Disso, fica bem claro que o “perdão de Deus” somente é concedido caso o infrator se disponha a reparar o mal que praticou; porém, isso é bem simbólico, porquanto a própria lei divina é que foi atingida e não, propriamente, Deus.

Vejamos em O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo V – Bem-aventurados os aflitos, um trecho do comentário de Kardec, sobre as causas atuais das nossas aflições:
“A lei humana atinge certas faltas e as pune. Pode, então, o condenado reconhecer que sofre a consequência do que fez. Mas a lei não atinge, nem pode atingir todas as faltas; incide especialmente sobre as que trazem prejuízo à sociedade e não sobre as que só prejudicam os que as cometem. Deus, porém, quer que todas as suas criaturas progridam e, portanto, não deixa impune qualquer desvio do caminho reto. Não há falta alguma, por mais leve que seja, nenhuma infração da sua lei, que não acarrete forçosas e inevitáveis consequências, mais ou menos deploráveis”. (O grifo é nosso) (Continua na próxima edição.)
 
Referências bibliográficas:

BRAGA, K. F. Alvorada de Bênçãos. 2012.
KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993e.
KARDEC, A. O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 2007d.
KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2007c.
XAVIER, F. C. e VIEIRA,W. O Espírito da Verdade. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
REDAÇÃO MOMENTO ESPÍRITA. Nem castigo, nem perdão. http://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=1223&stat=3&palavras=nem%20casrigo&tipo=t, acesso em 20.06.2012, às 14h10.
GREGÓRIO, S. B. Bem-aventurados os misericordiosos in; http://www.ceismael.com.br/artigo/bem-aventurados-misericordiosos.htm, acesso em 20.06.2012, às 14h17.

Fonte: Retirado de o Consolador uma Revista Semanal de Divulgação da Doutrina Espírita


 

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