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As lágrimas da família de Amy Winehouse não secarão | ||
Sueli Caramello Uliano | ||
Quando Amy Winehouse esteve no Brasil, em janeiro deste ano, eu pouco a conhecia, embora conhecesse a voz e algumas belas interpretações. Por isso chamou-me a atenção que se falasse tanto na possibilidade de surpresas e que houvesse um certo policiamento por parte dos organizadores para prevenir abusos e garantir as apresentações. Havia certa expectativa quanto ao que poderia acontecer. E, talvez para a decepção de alguns, ela apenas esqueceu algum trecho de letra e, ao dar um rodopio, em Recife, caiu no palco e rapidamente levantou-se. Em São Paulo, o show foi emocionante, marcado por uma certa timidez inicial, pela pirueta bem sucedida, e parecia ter marcado a sua volta aos palcos. Pensei: “Escândalos não criam celebridades... Antes disso, os escândalos são tanto mais escandalosos quanto é célebre quem os desencadeia. O que haveria de tão especial em Amy? Sem dúvida o seu talento musical que revolucionou o soul.” E não pensei mais nisso, até que a sua morte atingiu-me como um soco no estômago. Overdose? Especulava-se. Não sei. Só sei que, se eu vivia como se Amy não existisse, agora não podia viver como se ela não tivesse morrido assim, solitária e prematuramente. Um sentimento de responsabilidade incomoda-me e me deprime. Ver a mãe, o pai e o irmão destruídos pela dor me comove e intriga. Havia, afinal, uma família amorosa. Teria a separação dos pais, nos seus nove anos, influenciado a sua conduta depressiva, aquela carência que fez Amy, mais do que dependente química, dependente de Blake, seu controvertido namorado e ex-marido? A mãe, farmacêutica, declarou chorosa que temia que a morte da jovem fosse uma questão de tempo. Sabia bem o que é lidar com drogas. Os críticos de música, logo após a sua morte, deixaram claro: era um gênio e a comparavam a Sarah Vaughn e falavam da inspiração em Ray Charles e de como ela havia recriado o jazz, o blue, estilo que a partir das composições de Amy nunca mais seriam os mesmos. Ora, foram apenas dois álbuns, sendo que o último, que a consagrou, é de 2006 e lhe garantiu não apenas cinco Grammys, em 2008, mas que continuasse com prestígio cinco anos depois. Na premiação, ali estava a mãe abraçada à filha que acabara de sair de uma clínica de reabilitação. E muitos amigos diziam que ela era meiga e doce e gentil... E eu me perguntava: “Será que alguém se lembrou de dizer isso a ela enquanto estava viva?” Porque a fatalidade de sua morte precoce levou-me a procurar na Internet mais informações e o que vi deixou-me estarrecida. Aquela figurinha frágil, vitimada pelos tabloides e caçadores de vídeos, aparecia nos sites sensacionalistas, destruída pelas drogas, como um troféu. Quem conseguiria uma imagem mais depreciativa? Por outro lado, mesmo as páginas que se dedicam a combater o uso de drogas usaram-na como bandeira de seus ideais, sem a menor compaixão. Permitam-me glosar Santo Agostinho: “é preciso matar as drogas, mas amar o toxicômano (ou dependente, ou adicto – deem o nome que quiserem.)”. E é preciso amar essas famílias devastadas porque um de seus entes queridos segue nessa linha de destruição. Imaginei o que terão sofrido a mãe, o pai e o irmão de Amy com essa exploração. E a própria jovem, que, afinal, ninguém é de ferro! No vídeo do show em Belgrado, a que não tive coragem de assistir, vê-se - vi apenas a primeira imagem congelada - que ela sequer providenciou o seu cabelo retrô e seu rímel ousado. Foi vaiada, pois não teve condições de se apresentar e acabou a noite caída sobre um conteiner nos bastidores. Naquele momento, 34 dias antes de sua morte, era como se Amy já tivesse desistido de Amy. Impossível imaginar solidão maior. E para completar, nos comentários às notícias, embora muitos se condoessem, outros a ridicularizavam ainda mais, culpando-a pela escolha que fizera, até culminar no site que abriu um concurso de apostas para premiar quem acertasse o dia de sua morte. Tudo muito cruel, não é mesmo? Existe um grande preconceito social em relação aos dependentes químicos. Mencionei acima que a mãe de Amy temia que a morte da filha fosse uma questão de tempo. Segundo os jornais aqui no Brasil ela teria acrescentado que vira a filha no dia anterior ao da sua morte e que a jovem estava fora de si. Isso me chateou, pois considerei que Janis, a mãe, mesmo sendo portadora de esclerose múltipla, não poderia ter deixado a filha sozinha, ao menos naquele dia, fora de si, numa crise de abstinência. Porém, lendo a entrevista no próprio The Sun, fiquei completamente confusa, pois, em seguida a essa declaração, a mãe acrescentava que ficara feliz em ter visto a filha naquele momento. Meu inglês é muito tosco, mas ofereço aqui o trecho completo: Heartbroken mum Janis said she feared it was "only a matter of time" when she visited Amy in Camden the day before she died. Janis said: "She seemed out of it. I'm glad I saw her when I did." She added Amy's last words to her were "I love you mum". "They are the words I will always treasure and remember Amy by," she added. O fato é que “she seemed out of it” pode significar que ela parecia estar fora das drogas, e não fora de si, e por isso a mãe ficou contente por vê-la naquele momento, já que temia que as drogas a matassem, mas a imprensa traduziu considerando o contexto da vida de Amy, não o contexto do comentário da mãe. Agora encaixa com os comentários do pai, Mitch, que estava esperançoso porque há três semanas ela não bebia e há muito tempo não via a filha tão feliz. A dona de um pub em Camden tinha recebido ordens de Amy: “Não importa o que eu lhe diga, não me sirva nada alcoólico; eu não bebo mais.” Fazia-o pela família, pois dizia não poder mais vê-los tão arrasados. A família acreditou; a mídia não. Pouco importa o que a autópsia possa revelar, pois álcool e drogas, quando se impõem, inauguram um dilema: não se pode viver sem eles e não se aguenta viver com eles. Preconceito e exclusão social acompanham os que em algum momento foram dependentes. Ninguém quer um filho ou filha namorando alguém que passou por isso, pois há sempre o temor de uma recaída. Tenho, infelizmente, um exemplo muito próximo, porque perdi meu pai para o álcool. (Quando estava alcoolizado, todos tinham medo dele; e quando estava sóbrio, todos tinham medo de que se embebedasse). E tenho o relato de uma amiga que perdeu um filho aos 32 anos. Depois de mais de dez anos lutando contra o crack, ele acabou executado com um tiro na nuca. Tratamentos? Inúmeros! Durante as tentativas de recuperação, quando a mãe o via correr para o banheiro, com diarréia, sabia que ia voltar para o crack. Não porque tivesse algum prazer nisso, mas porque perdera a liberdade para uma das mais dramáticas escravidões. As estatísticas são duras: de dez que provam maconha, numa rodinha inocente, três nunca mais sairão do vício e tenderão a procurar drogas mais fortes, pois têm uma predisposição genética para isso. Querem a fonte dessa informação? A minha amiga, que frequentou todos os grupos de apoio que lhe apareceram à frente, inclusive na UNIFESP. Outra realidade que pouco se comenta e que ouvi do Dr. Ronaldo Laranjeira, na televisão: “Uma pessoa que conseguiu deixar o crack, se tomar um copo de cerveja, volta para o crack.” Extremamente afetuosa, Amy foi arrastada pela paixão por um homem controvertido, que a apresentou - isso dito por ele mesmo - às drogas mais pesadas. A jovem, que conheceu a maconha aos 14 anos, havia de declarar em entrevista à Rolling Stone: “Se você tem tendência ao vício, passa de um veneno para o outro. Ele não fuma maconha, então passei a beber mais e fumar menos. Por causa disso, passei a gostar mais da coisa. Saía para tomar um drinque". Foi uma paixão sem crítica e sem pudores, pois o álcool e as drogas forneceram o entorpecimento necessário para a sua natural timidez. Nestes dias fiquei tentando preencher alguns vãos nas informações que obtive. Não é apenas a música de Amy que é duramente confessional, mas também as suas tatuagens e cicatrizes. Na mesma entrevista, ao ser inquirida sobre as marcas de auto-mutilação que trazia no braço, desvia os olhos e responde lacônica: “Isso é bem antigo. Bem antigo. Acho que de uma época ruim.” E depois, gaguejando, continua: “De uma época de-de-desesperadora”. Traz também no braço a figura tatuada da avó, com o nome: Cynthia. Mas a querida avó, que cantava jazz e era a musa de Amy, faleceu de câncer nos pulmões em 2006. Teria aí perdido uma âncora? Talvez, pois 2007 e 2008 foram tempos de grande turbulência, desde o seu casamento impetuoso em Miami até a divulgação de um vídeo, às vésperas da premiação do Grammy 2008, que revela a sua dependência do crack. Ao lado de quem? De Blake, é claro. Claro que as famílias, a esta altura, se perguntam o que fazer, como prevenir uma tragédia dessas. A revista SER FAMÍLIA, na edição passada, trouxe um artigo do Dr. Valdir Reginato que, com uma exposição realista das circunstâncias que envolvem o problema, responde a essa pergunta com duas palavras-chave: Família e Educação. Transcrevo aqui as palavras finais da análise do Dr. Reginato, embora recomende a leitura da íntegra da matéria: “É necessário investir nos valores que fortalecem os vínculos familiares, numa educação solidária, que desenvolva pessoas com espírito de cidadania, comprometidas com o amor ao próximo e o respeito à própria vida.” Mas isso também não é fácil. Porque a vida tem inúmeras surpresas, nem sempre os jovens conseguem, num primeiro momento, administrar as suas frustrações e, o mais importante: o álcool, e até mesmo a maconha e o crack - admitamos - estão acessíveis em cada esquina. E quando as coisas dão errado, os pais logo se perguntam: onde foi que erramos? Cada filho precisa de uma atenção diferente, e estão sempre expostos a inúmeras influências externas, que cada um processa de modo único. Essa mesma mídia que explorou os escândalos promovidos por Amy, e que, portanto, lucrou notícias em cima deles, não hesita em depreciar aqueles que agem no caminho oposto ao dela. Os pais eram contra o seu namoro com Blake, iniciado em 2005, mas os pais não mandam no coração dos filhos, já o sabemos. E as mudanças provocadas por esse relacionamento são por demais evidentes para não serem responsabilizadas pelo avassalador processo de auto-destruição física e moral que arrastou Amy a partir dos seus 21 anos. Back to Black compila os seus conflitos e a insegurança do relacionamento. Desse álbum é Rehab, em que ela diz, com uma ironia bem humorada, no, no, no a ir para uma clínica de reabilitação, incapaz de imaginar a luta que haveria de enfrentar nos anos seguintes e perder em 2011. O Dr. Reginato também chama a atenção para a conduta tão em moda, abraçada até mesmo pelos pais de adolescentes, que recomenda experimentar tudo para depois escolher. Como se a liberdade dependesse de um conhecimento empírico do bem e do mal e das suas consequências para enfim decidir-se e, dado que nestes tempos tanto se valoriza o prazer como o maior bem, já se vê a que deturpações essa conduta pode levar. Imagino, inclusive, que o pai que decide fumar maconha com o filho para lhe possibilitar tal experiência talvez não tenha tido o mesmo empenho para fazê-lo provar jiló, quiabo, chicória e outros legumes ou verduras, tão ricos em fibras. Isso porque o comércio de legumes não tem a força da propaganda das drogas. E, para piorar, talvez o jovem cuspa longe o jiló, o que não acontecerá com a maconha, por óbvias razões. Convenhamos que a distinção entre o bem e o mal ficou bastante comprometida pela experiência, e a liberdade foi enganada direitinho. Vivemos em uma sociedade coalhada de contradições. Enquanto se promovem leis para proibir propaganda de produtos infantis na televisão das 7 às 22 horas, permite-se que um grupo marche pelas ruas cantando cinicamente: “Eu sou maconheiro, com muito orgulho, com muito amor.” Orgulho de quê? Amor a quê? Depois disso, vão querer proibir propaganda de bolacha, brinquedo e iogurte? (Só vamos ter propagandas da Caixa Econômica, Banco do Brasil, Petrobrás etc. Isso não é preocupação com a família; é apenas controle da mídia através do faturamento financeiro. Se a emissora criticar o governo, perderá as propagandas institucionais). Copio as palavras de Amy que encerraram a sua entrevista à Rolling Stones, em 2007, quando acabara de casar-se com Blake Fielder no Civil: "Não quero parecer ingrata. Sei que sou talentosa, mas não vim para cá para cantar. Vim para ser uma esposa e mãe, e para cuidar da minha família. Amo o que faço, mas isso não é o começo nem o fim.” Sonhos de uma menina que tentou inúmeras vezes dizer no, no, no às drogas, mas não conseguiu. Na última tentativa, o corpinho frágil e debilitado acabou num saco vermelho a caminho do necrotério. Pergunto: por que a humanidade se curva diante dessas forças de auto-destruição? Por que se pretende tirar de crianças e jovens a sua capacidade de agir livre e conscientemente? Para os viciados haverá perdão, já para os traficantes e para os governos omissos, que tal um júri internacional por crimes contra a humanidade? * citações extraídas da matéria Amy Winehouse: a diva e seus demônios - Jenny Eliscu, para a Rolling Stone (2007) Publicado na revista Ser Família, edição set/out/2011 | Ver outros artigos da coluna | |
Sueli Caramello Uliano , mãe de familia, pedagoga, Mestra em Letras pela Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho da ONG Família Viva, Colunista do Portal da Família e consultora para assuntos de adolescência e educação. É autora do livro Por um Novo Feminismo pela QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais. e-mail: scaramellu@terra.com.br Publicado na revista Ser Família em set/2008Publicado no Portal da Família em 02/11/2011 |
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Reinaldo Cantanhêde Lima, funcionário público estadual, Sindicalista, Autodidata, Educador Alternativo e Mobilizador Social – Blog www.reinaldocantanhede.blogspot.com Email: reinaldo.lima01@oi.com.br – Telefone: (098) 3345 1298 /3345 2120 - 9161 9826
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